Chris Froome tem uma ameaça real. O seu nome é Alberto Contador

Há um ano, ninguém diria que Alberto Contador seria o grande favorito para a 101.ª da Volta a França. Aos 31 anos, o campeão de 2007 e 2009 parece estar na rota de terceira vitória, aquela que lhe foi retirada na secretaria em 2010.

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Chris Froome JEFF PACHOUD/AFP

Verão de 2010: Alberto Contador e Andy Schleck vigiavam-se, relutantes. Há dias que arrastavam o duelo da década no Tour. Na tarde de 19 de julho, Andy estava mais forte – a prova trazia-a no corpo, na amarela que vestia, com orgulho desmedido, há seis etapas. Atacou. E a corrente da sua bicicleta saltou. Indiferente a uma amizade que ignorava cores de equipas e às leis cavalheirescas ditadas pelo pelotão, o espanhol acelerou, beneficiando do azar alheio para se impor definitivamente na sua terceira Volta a França.

Aquele dia seria o mais determinante da história recente do ciclismo. Andy, o mais talentoso da sua geração, nunca recuperou da “traição” - contam-se às centenas os dias sem vitórias, fala-se de uma profunda depressão, desmentida e ocultada. E Alberto, indomável e imperturbável nessa tarde, num pedalar arrasador, não mais voltou a demonstrar a invencibilidade inequívoca e a fortaleza que faziam dele o novo grande campeão do pós-Armstrong.

Depois foi o que se sabe: positivo por clembuterol do madrileno, desclassificação na secretaria, entrega do triunfo final a Shleck. O chefe de fila da Tinkoff-Saxo foi ilibado, correu, arrastou-se no Tour, foi condenado e os seus resultados apagados. E desapareceu (no ano passado chegou a ser penoso vê-lo nas etapas de alta montanha, débil e apático, incapaz de acompanhar os grandes Chris Froome, o vencedor, e Nairo Quintana, o vice).

Até este ano. Os sinais positivos começaram a ser dados no início do ano, exatamente em Portugal. Contador apareceu na Volta ao Algarve, a sua prova talismã, estranhamente confiante. Algo tinha mudado. A aura de campeão sentia-se. Nas encostas do Malhão, aquela pedalada caraterística voltou a aparecer. A vitória na etapa rainha da “Algarvia” e o segundo lugar final seriam o prenúncio de uma temporada quase perfeita.

Líder no ranking do WorldTour, venceu o Tirreno-Adriático e a Volta ao País Basco e, no frente-a-frente com Froome, levou sempre a melhor. Foi segundo no Critério do Dauphiné, principal barómetro de forças para o Tour, enquanto o britânico, que caiu, terminou num modesto 12.º lugar, e também na Catalunha, onde o seu rival foi sexto.

No campo da Sky, que respondeu aos caprichos do seu líder e deixou Bradley Wiggins, o primeiro britânico a vencer a Grande Boucle (2012), de fora, está instalado o nervosismo e Froome, de 29 anos, não o nega. “Vou transformar essa pressão numa energia positiva”, prometeu na apresentação das equipas. “O Alberto tem demonstrado que está muito mais competitivo. Será uma grande batalha até ao final”.

O primeiro round da “batalha” da época trava-se em terras britânicas, palco das primeiras três etapas, que incluem o arranque de hoje em Leeds, e prossegue já em solo francês, com uma visita, na quinta etapa, ao “Inferno do Norte”, nome que designa o temível “pavé” da Paris-Roubaix.

Sem Alpe d’Huez ou Mont Ventoux nos 3,664 quilómetros até Paris, o “duelo” será travado noutros campos de batalha: na chegada a Planche des Belles Filles (10.ª etapa), na tortuosa 14.ª tirada, com a passagem pelo Col d’Izoard, o ponto mais alto desta edição, e no alto de Hautacam (18.ª), sem esquecer os os 54 quilómetros do contrarrelógio entre Bergerac e Périgueux, marcado para a penúltima etapa.

Contador não se esconde, mas, ao contrário do que aconteceu em 2013, é cauteloso. “Froome é o principal favorito e depois estamos nós”. O “nós” de “El Pistolero”, de 31 anos, inclui Vincenzo Nibali (Astana), Alejandro Valverde (Movistar) e Joaquim Rodriguez (Katusha). Se o italiano, o ciclista mais consistente nas três grandes Voltas nos últimos anos – venceu a Vuelta2010, o Giro2013, foi vice no Giro2011 e na Vuelta2013, e terceiro no Tour2012 e no Giro2010-, pode ser uma ameaça, os espanhóis nem tanto. Valverde mostrou grandes debilidades na montanha da prova francesa em 2013. Rodriguez caiu no Giro, foi operado e surge na partida em Leeds sem rotinas, para defender o terceiro posto de há um ano.

Dificilmente mais alguém se intrometerá na luta pelo pódio, mas a apontar os principais candidatos a “outsider” estes contam-se pelos dedos de uma mão. O holandês Bauke Mollema (Belkin), sexto o ano passado, o norte-americano Andrew Talansky (Garmin-Sharp), vencedor do Dauphiné. E Rui Costa. O português, que lidera a terceira maior comitiva nacional na Grande Boucle, encara a sua primeira grande Volta como líder (da Lampre-Merida) e é indicado pelos meios de comunicação internacional como um dos favoritos. Talvez, colocar o duplo vencedor de etapas da 100.ª edição no pódio seja excessivo, mas pensar no campeão do Mundo para um “top 10” é bem mais realista.

Além de Costa, não se esqueça de estar atento ao sempre espetacular Tiago Machado, um estreante a par de José Mendes, na também estreante NetApp-Endura. E não perca de vista a camisola de campeão nacional (ou melhor, as duas) de Nelson Oliveira, que vai olhar para o exemplo o mais veterano entre os portugueses, Sérgio Paulinho, o fiel escudeiro de Contador, para ajudar o colega e amigo Rui Costa. A ver no seu ecrã entre hoje e 27 de julho, dia da festa final em Paris.

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