“Chamam-me o homem mais rápido sem pernas, mas eu não gosto”

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Pistorius conquistou uma medalha nos 4x400m em Daegu, mas não correu a final Max Rossi/Reuters (arquivo)

Depois de uma luta contra a Federação Internacional de Atletismo, Oscar Pistorius, sem pernas a partir dos joelhos desde os 11 meses de idade, conquistou o direito de competir contra atletas normais e ultrapassou as fronteiras do desporto para-olímpico nos recentes Mundiais de atletismo, em Daegu, em que conquistou uma medalha de prata na estafeta 4x400m (não correu a final) e onde foi semifinalista nos 400m.

Chamam “Blade Runner” a este sul-africano por usar umas próteses nas corridas que parecem lâminas, que, antes da decisão favorável do Tribunal Arbitral do Desporto, eram consideradas uma vantagem mecânica injusta em relação aos outros atletas. Pistorius está em Lisboa, para dar o tiro de partida da meia-maratona de Portugal.

“Blade Runner”, gosta da alcunha?

Não me importo. Tenho outra, “o homem mais rápido sem pernas”, mas dessa não gosto. Gosto de “Blade Runner” e gosto de uma que o “Daily Mail” me deu, “titan of the track” [titã da pista]. A do “Washington Post” foi “Sea Biscuit”. Era história de um cavalo que era o “underdog” que nunca ninguém pensava que fosse ganhar alguma coisa. Ele começava devagar e depois ia muito depressa. É assim que eu costumava correr. É engraçado, ao longo dos ano vamos ganhando alcunhas, algumas ficam, outras não, algumas gosto, outras não.


Sente-se como um “underdog” a correr contra atletas normais?

Nem sempre, depende da corrida. Quando não há tanta pressão sobre mim, é mais fácil correr, mas em algumas corridas vou ser o centro das atenções, o tipo com o tempo mais rápido. E eu quero ganhar. Eu sei que se ficar em segundo, não vou ficar satisfeito comigo próprio. Por vezes é bom não ter pressão, outras vezes prefiro não sentir pressão. Nos Mundiais, nos Paralímpicos, em grandes eventos, é bom sentir pressão porque não queremos desperdiçar a oportunidade e apenas estar lá. Queremos estar no nosso melhor.


Mas em Daegu, não conseguia escapar ao facto de ser o centro das atenções…

O que acontece é que eu dou a mesma importância aos Mundiais como à corrida que fiz há poucos dias em Varsóvia, um pequeno “meeting”, à chuva, a minha ultima corrida da época. Fiz exactamente o mesmo aquecimento. Não quero ser um atleta que dá mais importância a uma corrida que a outras. Uma corrida é uma corrida, tenho de dar sempre o meu melhor. O meu treinador e o meu empresário sabem que não precisam de me dizer para eu dar o meu melhor. Sabem que eu coloco muita pressão em mim próprio. Só me dizem, faz a tua corrida e diverte-te.


Nas meias-finais dos 400m em Daegu ficou muito abaixo do seu melhor…

Estava muito cansado. Não sei bem o que aconteceu. Foi a minha terceira corrida mais lenta do ano, quando a eliminatória tinha sido a segunda mais rápida. Estava na pista oito, que é uma daquelas pistas em que se não se sai rápido e começamos a ser apanhados pelos que vêm atrás, é muito difícil responder. Estava a vê-los a aproximar, e a 20 metros da curva, o que eu devia ter feito era acelerar, mas saí da curva com pouca velocidade e, aos 320m, 330m, já não se consegue acelerar mais, já sinto o cansaço. Não segui o meu plano.


Quando me perguntaram o que é que eu esperava fazer em Daegu, nunca disse que queria chegar à final, ou que queria bater o meu recorde pessoal, queria era ganhar experiencia, fazer bem, aprender. Mesmo com uma corrida milagrosa, dificilmente teria ido à final. Queria ter corrido melhor. Mas olhando para trás, o que penso é: em Londres 2012 não vou cometer o mesmo erro. A experiência conta muito.


Como foi o momento em que soube que tinha ficado de fora da final dos 4x400m?

Fiquei muito triste. Não sei o que aconteceu. Foi uma senhora do “team managment”, Magda Botha, que me ligou de manhã e disse-me que não me queria na final. Eu respondi-lhe que não havia razão para isso, que estava a correr em 45,2s [tempo na meia-final da estafeta], e ela disse-me que eu corria 46,2s [tempo na meia-final dos 400m]. Tivemos um desacordo. E a estafeta foi mais lenta sem mim. Eles meteram um barreirista no meu lugar. Ele tinha o tempo mais rápido e iria sempre correr a final, mas nunca se tira o segundo mais rápido da equipa, tira-se o mais lento. Corri muito bem na meia-final, mais rápido que qualquer um, e foi muito frustrante.


Tem membros artificiais desde muito novo, e escolheu o desporto, que não é o caminho mais fácil. Porquê?

Porque era péssimo aluno [risos]. A minha família é bastante rigorosa, não aceita desculpas nem incompetência. Não compreendem a atitude de uma pessoa que não tome as rédeas da sua vida. Os meus pais foram assim comigo. Comigo e com o meu irmão que é dois anos mais velho. De manhã, quando eu estava a sentir pena de mim próprio, diziam-me: “Como o teu irmão calça os seus próprios sapatos, tu pões as tuas pernas. E é a ultima vez que eu quero ouvir falar do assunto. Há milhões de coisas que tu podes fazer, não penses naquilo que não podes fazer.”


Quando estava a crescer, apercebi-me que não havia muita coisa que não pudesse fazer. Eles não me deixaram pensar de outra maneira. Houve uma vez que fui à praia e as minhas pernas enferrujaram. Eles disseram, “Não há problema, o seguro paga, vai. Se quiseres fazer surf, força.”


E fez surf?

Sim, mas não sou grande coisa. Mas tentei. E isso é o mais importante. Não é só conseguir fazer uma coisa, é tentar.


Nunca se escusou a fazer alguma coisa por não ter pernas?

Nunca. Uma vez, quando tinha sete anos, escrevi uma carta à minha professora de Educação Física, com uma letra muito direitinha. As minhas pernas eram muito pesadas nessa altura e eu escrevi a fingir que era a minha mãe: “Por favor dispense o Oscar da aula de desporto porque ele está doente.” A minha mãe descobriu, deu-uma grande chapada e disse-me: “Tu nunca mais fazes isso.”


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