Audiências de futebol nos EUA batem recordes da NBA e do basebol

Americanos estão rendidos ao soccer e 25 milhões assistiram ao jogo com Portugal na televisão. O próprio Barack Obama conta-se entre os telespectadores, mas o fenómeno está a irritar sectores políticos mais conservadores.

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Barack Obama a assistir a um dos jogos dos EUA no Mundial Larry Downing/Reuters

A América sempre olhou para o futebol com um misto de indiferença e desprezo. Fiel aos seus desportos tradicionais, resistiu à sedução da FIFA com a mesma tenacidade que a imaginária aldeia gaulesa de Astérix rejeitou os avanços da romanização. Mas o novo milénio promete mudanças e a bem sucedida campanha da selecção dos EUA no Mundial do Brasil pode estar a contribuir, no imediato, para despertar uma nova paixão desportiva na nação. Os jogos estão a bater recordes de audiências e a partida com Portugal, no Arena Amazónia, em Manaus, atingiu um pico histórico de, aproximadamente, 25 milhões de telespectadores, superando as médias das últimas finais da NBA e MLB (liga de basebol). E até Barack Obama tem contribuído para o share.

As expectativas dos operadores televisivos que adquiriram o exclusivo dos jogos do Mundial, foram superadas e, ontem, antecipavam-se novos recordes para o encontro com a Bélgica, que decide o acesso aos quartos-de-final do torneio. Inesperado foi também o elevado número de americanos que decidiu ver os jogos in loco, lotando os estádios brasileiros por onde a selecção passa. No último fim-de-semana a imprensa da Bahia destacava o grande número de estado-unidenses que estavam a chegar a Salvador, para assistir ao encontro com os belgas no Arena Fonte Nova. Mais a sul, os americanos “invadiram” também o Rio de Janeiro, sendo presença assídua na praia de Copacabana, onde está instalado o ecrã gigante do FIFA Fan Fest.

Também nas principais cidades americanas, a instalação de ecrãs gigantes para emitir os jogos dos EUA está a ser um sucesso, concentrando multidões animadas de dezenas de milhares de adeptos. Mais recatadamente, o próprio presidente Barack Obama tem seguido a campanha da selecção de Jurgen Klinsmann nos relvados brasileiros. Na última quinta-feira, deixou-se fotografar a bordo do Air Force One a assistir pela televisão à partida frente à Alemanha, que terminou com a derrota dos americanos (1-0), mas confirmou o apuramento para os oitavos-de-final.

O jogo bateu um recorde em termos de retransmissão na Internet, com 1,7 milhões de espectadores online, superando a marca alcançada no Super Bowl (final da NFL, o campeonato de futebol americano, que é a modalidade mais popular no país), o evento desportivo com maior audiência nos EUA, que reuniu 111,5 milhões de telespectadores, em Fevereiro deste ano.

Esta euforia recente com uma modalidade forasteira com poucas tradições por terras do “Tio Sam” tem provocado alguma irritação e incredulidade em certos espíritos. Na última quarta-feira, a articulista Ann Coulter, famosa pelas suas posições conservadoras, gerou polémica com um artigo de opinião onde criticava duramente os adeptos americanos de soccer. Qualificando a modalidade de “desporto estrangeiro”, considerou que o interesse que estava a despertar no país só poderia indiciar “um sinal da decadência moral da nação”, associando o sucesso do soccer às alterações demográficas no país, com o crescimento das populações de origem hispânica.

“Garanto: nenhum americano cujo bisavô tenha nascido aqui está a ver futebol. Tenho a esperança de que, com o tempo, estes novos americanos, além de aprenderem inglês, percam o ‘fetiche’ pelo futebol”, concluiu, demonstrando total estupefacção pelo interesse num desporto que apelidou de “totalmente entediante”: “Se Michael Jackson tivesse tratado as suas crónicas insónias com um vídeo de um Argentina-Brasil em vez de Propofol [um sedativo usado pela antiga estrela pop, considerado responsável pela sua morte], ainda estaria vivo, apesar de aborrecido.” Opiniões qualificadas de “racistas” e intolerantes por alguns colonistas do jornal New York Times e das revistas Times e Forbes nos dias seguintes.

A consternação de Ann Coulter contrasta com o optimismo da FIFA, que acredita estarem lançadas as bases para a afirmação definitiva do futebol (versão europeia) na América. “Esta impressionante alta no interesse nos EUA é um verdadeiro ‘divisor de águas’ para o Campeonato do Mundo e para o futebol”, garantiu Niclas Ericson, director da TV FIFA, em declarações ao site oficial do organismo: “Estamos entusiasmados por ver a maneira com que os adeptos americanos estão a receber, como nunca antes, o Mundial.”

O responsável destacou ainda as audiências expressivas verificadas na Ásia, na Europa e em outras paragens do continente americano, acreditando que este torneio poderá ser o mais popular da história no que diz respeito às transmissões televisivas. No Brasil, o jogo de abertura, entre a selecção da casa e a Croácia, no dia 12 de Junho, foi o evento desportivo mais visto nos ecrãs, em 2014, com 47,4 milhões de telespectadores. Um registo que não foi superado, até ao momento, por nenhum dos restantes jogos da “canarinha”, incluindo a dramática eliminatória dos oitavos-de-final com o Chile, resolvida nos penáltis.

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