As avozinhas do futebol

Um grupo de mulheres sul-africanas desafiou os preconceitos – e a idade – para formar uma equipa de futebol onde a experiência tem prioridade sobre a juventude.

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Uma das jogadores em plena actividade Peter Andrews/Reuters
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O aquecimento é uma parte importante do treino Peter Andrews/Reuters
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As "soccer grannies" impõem respeito Peter Andrews/Reuters
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O público vibra com os jogos Peter Andrews/Reuters
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Um momento de um treino das "soccer grannies" Peter Andrews/Reuters

Velhos são os trapos. Elas dizem-no e prometem repeti-lo até convencerem toda a gente disso. “Elas” são as Vakhegula Vakhegula (Avozinhas Avozinhas, na língua tsonga falada nas províncias do nordeste da África do Sul) e despertaram atenções um pouco por todo o mundo quando começaram a jogar futebol. O principal critério para admissão na equipa é a idade: a experiência tem prioridade sobre a juventude e as portas estão abertas para mulheres a partir dos 50 anos. Não há limite para além daquele imposto pelas forças de cada uma.

A equipa foi formada em 2006 e reclama para si o título de “primeiro clube de futebol de avós na África do Sul”. E não demorou a atrair atenções, especialmente por causa da realização do Mundial 2010 no país. As Vakhegula Vakhegula, também conhecidas como as “avozinhas do futebol”, rivalizaram em popularidade com os Bafana Bafana, nome pelo qual é conhecida a selecção sul-africana. Foram convidadas para disputar um torneio de veteranos nos EUA e vão estar representadas no Mundial 2014, no Brasil.

O rosto por trás das Vakhegula Vakhegula é Beka Ntsanwisi. Tudo começou quando, em 2003, esta trabalhadora social foi diagnosticada com cancro do pulmão. “Estive muito doente e, de cada vez que ia a um hospital, ficava impressionada pela quantidade de mulheres mais velhas com quem me cruzava e pelas condições de saúde em que estavam”, recordou, em conversa telefónica com o PÚBLICO. Vencida a luta contra o cancro, Beka Ntsanwisi decidiu lançar um projecto que levasse as mulheres mais velhas a manterem-se activas. “O objectivo era evitar que ficassem em casa e cedessem à solidão. Algumas nem conseguiam caminhar normalmente, tudo o que faziam no tempo livre era tricotar ou ficar sentadas. Com o futebol correm, gritam, lutam... mantêm-se jovens”.

Vencido o cepticismo inicial – “temiam magoar-se, partir uma perna”, admitiu Beka –, o projecto foi acolhido com entusiasmo. E não demorou a mostrar resultados positivos: havia mulheres que se debatiam com problemas de saúde, como pressão arterial elevada, e que graças ao futebol ficaram em forma. No aspecto físico mas também mental, sublinhou a dinamizadora das Vakhegula Vakhegula. As canções são uma constante nos treinos, assim como as saias de cores garridas, e reina a descontracção, até entre as principais vedetas: Beatrice Tshabala é tratada por Messi e a alcunha de Christina Machede é Maradona.

As “avozinhas do futebol” surgiram na township (zonas pobres nas periferias das cidades e que, durante o apartheid, estavam reservadas aos não-brancos) de Nkowankowa, na província de Limpopo. O sucesso foi instantâneo e, pouco tempo depois, já tinham sido criadas outras sete equipas que treinavam regularmente. O próximo passo foi o estabelecimento de uma espécie de campeonato, o Top Eight, disputado duas vezes por ano entre as oito equipas da província. “O meu sonho é ter um campeonato africano das avós”, confessou Beka Ntsanwisi, que conta angariar no Brasil apoios para tornar a ideia realidade.

Beka Ntsanwisi é conhecida na província de Limpopo como “Madre Teresa”. Para além de trabalhar junto das comunidades pobres da região na prestação de cuidados às crianças e no combate à SIDA, mantém um programa de gospel na rádio Munghana Lonene. Aos 45 anos, ainda é relativamente jovem para integrar as Vakhegula Vakhegula – cuja jogadora mais velha tem 79 anos. Mas é uma questão de tempo para cumprir o sonho: “Um dia quero jogar com elas”.

Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

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