Afinal, Ali Dia era mesmo futebolista. Pelo menos é o que ele diz

Vinte anos depois de ter jogado 53 horríveis minutos pelo Southampton, alguém conseguiu falar com aquele que é considerado o pior jogador da história da Premier League.

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Dia: " “Tenho sido retratado como um mentiroso, mas isso é mentira" DR

Durante 20 anos, o destino de Ali Dia foi um mistério. Depois daqueles infames 53 minutos com a camisola 33 do Southampton a 23 de Novembro de 1996, o não-futebolista que se apresentara a Graeme Souness como primo de George Weah e jogador internacional pelo Senegal desapareceu sem deixar rasto e nenhuma pegada digital. Sem Twitter, sem Facebook, nada para reconstruir a sua vida ou fragmentos dela. Ninguém o conseguiu encontrar e a lenda foi crescendo e foram-se assumindo rumores como verdades. Para assinalar as duas décadas de dia, uma jornalista fez a sua investigação e conseguiu chegar a Ali Dia. Mas primeiro teve de falar com os pais. E com a irmã. E com o filho.

Kelly Naqi, do Bleacher Report, um site de noticiário desportivo com base em São Francisco, fez o que muitos tentaram sem sucesso, falar com o infame “jogador”. A primeira coisa que descobriu, antes de falar com alguém, foi que o nome pelo qual era conhecido estava mal escrito. Era Aly e não Ali. A partir desde detalhe, toda a história se desenrolou. A jornalista descobriu a casa onde Dia cresceu no Senegal, falou com os pais e com alguns amigos de infância, viu fotografias antigas (que não foram publicadas) e percebeu que Dia sempre quis ser futebolista, mesmo contra a vontade dos pais, e que até tinha algum jeito para a coisa.

Um dos momentos mais marcantes da lenda é a associação de Dia a George Weah, o grande avançado liberiano que brilhou no AC Milan e que ganhou a Bola de Ouro em 1995. Dia foi “vendido” a Graeme Souness como o primo senegalês de Weah (e seu antigo colega nos tempos do Paris Saint-Germain) num telefonema em que o antigo treinador do Benfica pensou que estava a falar com o liberiano. Quem fez esse telefonema? E Dia conhecia mesmo Weah? Quem ligou a Souness terá sido o inventivo agente de Dia. Quanto às suas relações com Weah, são através de Sophie, a irmã de Aly. Pelo menos é o que ela diz. “Claro que eles se conhecem. Weah é um grande amigo meu e ainda mantemos o contacto.” A jornalista do Bleacher Report pede para entrar em contacto com o ex-jogador liberiano, mas fica sem resposta.

Antes de chegar a Southampton, Dia jogou, de facto, em clubes amadores de França, enquanto estudava Gestão na universidade. E chegou a faltar aos treinos para dar a impressão que estava a negociar com outro clube como estratégia (com sucesso) para lhe aumentarem o salário. Até chegar a Southampton, ainda passou por clubes finlandeses e alemães, e terá sofrido uma lesão no joelho, mas nada disto é uma certeza absoluta. O que é certo é que, em Novembro de 1996, foi parar à Premier League com um contrato de um mês. Diz-se que apareceu num treino e que no dia seguinte já estava no banco para o tal jogo frente ao Leeds United em que acabaria por ser suplente utilizado e substituído 53 minutos depois.

Depois de ter falado com a família e alguns amigos, a jornalista do Bleacher Report recebeu um telefonema. “Daqui fala o homem que você tem andado à procura. Como se esforçou tanto para me encontrar, achei que devia falar consigo”, disse quem estava do outro lado da conversa. Afinal, Aly Dia não vivia no Senegal, ou numa aldeia francesa, ou andava pelo norte de Inglaterra (as teorias mais populares). Aly Dia era um homem de negócios que vivia em Londres e, no momento deste telefonema, estaria em trânsito para o Catar. A conversa não será muito longa e deixará muito por esclarecer, mas são minutos utilizados para Dia fazer a sua defesa.E a primeira coisa que Dia quer deixar claro é que nunca mentiu a ninguém. “Tenho sido retratado como um mentiroso, mas isso é mentira. Eu joguei pelo Paris Saint-Germain, entre 1986 e 1988. E ajudei a ganhar uma Taça de Paris em 1986 ou 1987… Já foi há algum tempo”, diz o senegalês.

Outro dado da lenda que diz ser mentira é o de que só treinou um dia no Southampton. Garante que esteve lá bastante mais tempo e que até foi elogiado por Souness. “Estava na equipa de reservas a treinar contra a primeira equipa durante duas semanas. Antes do jogo com o Leeds, num 11 contra 11, fiz dois ou três golos. Conquistei o lugar. Souness até me disse, ‘Amanhã vais jogar. Prepara-te.’ Não estava à espera de ser titular e, de repente, o Le Tissier lesiona-se e lá vou eu. Entrei logo, sem aquecer.” Cinquenta e três minutos depois, Souness, que nunca está muito à vontade para falar sobre este assunto, tira-o de campo. Dia teve os seus minutos de infâmia, mas não se sente como uma fraude: “Estou de consciência tranquila. Seremos todos julgados por Deus.”

* Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

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