Adam Nawalka: o “tirano” que revolucionou a Polónia

Foi trabalhador braçal nos EUA, vendedor em Cracóvia, antes de surpreender os polacos ao assumir o cargo de seleccionador. Calou todos os cépticos e está a fazer história em França.

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Adam Nawalka está a fazer com que a Polónia surpreenda no Euro 2016 AFP

Cortou árvores nos EUA, vendeu carros, jeans e cosméticos na Polónia, até tirar o curso de treinador e apaixonar-se pelo futebol italiano. Teve uma carreira pouco fulgurante como técnico, até que, em Outubro de 2013, foi convidado pelo lendário Zbigniew Boniek, presidente da federação polaca de futebol, para revolucionar a selecção. O país ficou surpreendido, mas, em pouco tempo, Adam Nawalka convenceu os cépticos. Garantiu uma qualificação segura para o Euro 2016, fez história ao passar a fase de grupos e, mais ainda, ao atingir os quartos-de-final. Com uma reputação de tirano, perfeccionista e “workaholic”, este ex-internacional quer dar mais um passo rumo à glória e ultrapassar Portugal, em Marselha, na próxima quinta-feira.

A história é contada por jornalistas polacos que estão a cobrir o Euro, mas é reveladora da personalidade do seleccionador polaco. Após o triunfo sobre a República da Irlanda (2-1), que garantiu o apuramento para França, Adam Nawalka terá dormido apenas duas horas, mas não porque estivesse a comemorar como o resto do país. Naquela mesma noite fez o balanço do percurso da equipa na qualificação com a sua equipa técnica e iniciou a planificação para a fase final. Foi esta disciplina, espírito de abnegação e trabalho duro que o técnico, nascido há 58 anos, em Cracóvia, trouxe para a equipa nacional. E era isto mesmo que Boniek pretendia.

Em pouco tempo, Nawalka conseguiu recuperar um grupo atormentado por guerras de egos, onde reinava uma espécie de anarquia, num colectivo solidário, coeso dentro e fora de campo, que luta com tudo do princípio ao fim de uma partida. Uma atmosfera bem diferente daquela que se vivia no passado recente e que redundou no fracasso da qualificação para o Mundial de 2014. Liderada na altura por Waldemar Fornalik, a Polónia classificou-se num modesto quarto lugar, atrás da Inglaterra, Ucrânia e Montenegro, alcançando apenas vitórias sobre a Moldávia e San Marino.

Quando perguntam a Nawalka qual o segredo do sucesso, o seleccionador responde normalmente com uma palavra: “consistência.” Uma “consistência” que não demorou muito a apresentar resultados. Exactamente um ano depois de ter assumido o cargo, a Polónia alcançou a primeiro triunfo da sua história sobre a poderosa campeã mundial Alemanha (2-0), durante a campanha de apuramento para o Euro.

Um feito que nunca tinha sido conseguido nos 20 confrontos anteriores, nem pela grande equipa de Kazimierz Górski, que comandou a selecção a uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, e a um terceiro lugar no Mundial de 1974, na Alemanha (na altura RFA). Uma posição que haveria de repetir no Mundial de 1982, em Espanha, mas já sob os comandos de Antoni Piechniczek. É para esta estreita galeria de heróis que Nawalka pretende também entrar.

Carreira trágica

Filho de um antigo jogador de futebol, Adam iniciou o seu percurso nas camadas jovens do Wisla Cracóvia, aos 12 anos, estreando-se na equipa principal com 17. Representaria este emblema durante uma década, entre 1975 e 1985.

Médio trabalhador e com grande disciplina táctica, Nawalka acabou por ter uma carreira curta e trágica. Depois de ter recebido o título de jogador do ano, em 1977, seria chamado à selecção, com apenas 20 anos, para se juntar a uma geração de ouro do futebol polaco – entre estrelas como Boniek, Zmuda, Szarmach, Deyna e Lato -, que disputou o Mundial de 1978, na Argentina. Ganhou espaço na equipa titular e o seu talento não passou desapercebido.

Estava no pico da sua popularidade quando um calvário de lesões lhe destruiu os sonhos de uma carreira. Raramente utilizado nas temporadas seguintes, abandonou o Wisla aos 27 anos. Na selecção acabou por somar apenas 34 internacionalizações (1977-1980), tendo apontado o seu único golo na partida de estreia, frente à Hungria.

No cimo das árvores

Sem grandes opções, acabou por aceitar um convite dos EUA, para uma experiência no futebol semi-profissional daquele país, ao serviço dos Eagle Yonkers New York (1985-1988), clube da comunidade polaca na região. Quando pendurou definitivamente as chuteiras, a sua situação financeira era precária. Foi trabalhar para uma empresa de cabos eléctricos de alta tensão, onde tinha como função cortar ramos árvores. Um trabalho perigoso, duro, mas relativamente bem pago. “Esta fase difícil da minha vida ensinou-me a ter respeito pelo trabalho”, admitiria mais tarde.

Após a queda do muro de Berlim, regressou à Polónia para tentar a sua sorte. Começou por ser vendedor de automóveis, jeans e cosméticos, até decidir tirar um curso de treinador. Estagiou em Itália, na AS Roma, de Fábio Capello, no Empoli, Udinese e Chievo. Apaixonou-se pelo país, pela sua cultura, culinária, estilo de vida e, claro, pela escola transalpina de futebol, que o iria inspirar como treinador. Ainda hoje considera a capital italiana a cidade mais bela do mundo, onde visita regularmente o seu irmão, John, um frade dominicano.

Novamente de regresso à pátria, desempenhou vários cargos no Wisla, entre olheiro, director desportivo, até assumir o comando técnico, por um curto período. Por falar bem inglês, foi assistente do holandês Leo Beenhakker, na selecção polaca, entre 2007 e 2008, antes de ir treinar o Górnik Zabrze dois anos depois.

O bom trabalho desenvolvido acabou por convencer Boniek que o seu ex-colega Nawalka era o homem certo para a espinhosa missão de reerguer a selecção. “Nawalka é um perfeccionista. Garanto que é alguém que sonha em alcançar o sucesso com a selecção e não em garantir um dinheiro extra para a sua reforma”, justificou, na altura, o líder da federação. O tempo deu-lhe razão.

Sangue, suor e lágrimas

Muito disciplinador, impôs regras rígidas no balneário, ameaçando afastar quem não as cumprisse. Combinou de forma harmoniosa uma nova geração de jovens promessas com a experiência dos mais veteranos e a estes ligou jogadores menos sonantes, mas importantes para a união do grupo. “Uma boa equipa deve ser equilibrada”, explicou. “Obviamente, gostaria que todos os jogadores polacos jogassem nos melhores clubes e nos melhores campeonatos, mas não é esse o caso. E eu tenho de adaptar todos para que o nível da selecção seja dos melhores.”

A adaptabilidade define bem o estilo que o seleccionador aplicou na Polónia. Estuda com enorme aplicação todos os adversários e não hesita em mudar o sistema de jogo se antecipa que irá disputar uma partida em que terá pouca posse de bola. Foi o que aconteceu frente à Alemanha na fase de grupos do Euro.

A selecção polaca teve pouca bola, mas conseguiu interceptar um número considerável de lances no meio-campo e controlou a temível linha atacante germânica, onde convivem Muller, Gotze e Draxler. No final, o empate a zero foi o prémio, mas ninguém estranharia se os polacos tivessem vencido. “Cedemos a bola conscientemente e controlámos o nosso jogo. Criámos jogadas de golo com muito trabalho e disciplina. O plano correu como planeado”, resumiu.

Após ter anunciado os 23 convocados para o Euro 2016, Nawalka explicou que pretendia criar um grupo de jogadores prontos para grandes sacrifícios, que não ouvissem o apito final do árbitro com o pensamento de que tinham perdido uma hipótese de ganhar. Foi claro ao dizer que queria ver suor, sangue e lágrimas em campo. “Não posso imaginar uma abordagem diferente.”

Superstições e manias

Nawalka é também extremamente supersticioso. E isso reflecte-se, por exemplo, quando circula na estrada com a selecção. O autocarro que transporta a equipa nunca pode fazer marcha atrás. Só se pode mover em frente, mesmo quando está a estacionar. O ex-jogador e actual director da equipa nacional, Tomasz Iwan admite que o técnico nunca se esquece de dar instruções detalhadas aos motoristas do veículo.

O perfeccionismo também atinge extremos, como confidenciou um jogador, que já foi treinado pelo actual seleccionador. “Uma vez fomos para um jogo e ao jantar serviram massa. Antes de começarmos a comer, o treinador quis verificar com um garfo como estava a comida. Não ficou agradado e obrigou os cozinheiros a começar tudo do zero. A massa tinha de estar ‘al dente’!”

Mas entre todos os polacos, serão os cabalistas que depositam maiores esperanças no sucesso de Adam Nawalka. O treinador nasceu a 23 de Outubro. Nada de especial ou não fosse exactamente o mesmo dia em que nasceu Pelé (1950) e também aquele que é considerado o melhor jogador polaco da história: Kazimierz Deyna (1947). Dois jogadores que contracenaram no filme “Escape to Victory” (“Fuga para a Vitória”), realizado em 1981 por John Huston. Coincidência ou destino?

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