À Volta do Tour: O Diabo já não volta

Leia aqui algumas das histórias mais desconhecidas da mais importante corrida de ciclismo do mundo.

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Didi, o Diabo, não irá mais ao Tour BOGDAN CRISTEL/Reuters

2014 foi um ano de abandonos velocipédicos. Despediram-se Andy Schleck e Cadel Evans, Jens Voigt e David Millar. A lista podia estender-se por linhas. Contudo, o PÚBLICO atreve-se a sugerir que neste sábado, à partida de Utrecht, a ausência mais comentada foi a de Didi. O nome desprovido de apelido, certamente, não lhe dirá nada, mas se a ele juntarmos a descrição física – manto vermelho, em pandã com o fato de licra ajustado, tridente em riste, olhos esbugalhados e barba farta – saberá que Didi Senft é ele, o Diabo. O adepto mais famoso do ciclismo.

Foram muitas as gerações que viram as suas tardes desportivas interrompidas pela aparição do alemão de Reichenwalde no ecrã, passada ligeira e apressada, atrás dos principais rostos do pelotão. A aventura começou em 1993. “O meu maior sonho era estar no Tour como espectador, porque fui ciclista na minha juventude, mas na República Democrática Alemã (RDA) não estávamos autorizados a viajar para países ocidentais. Então o Muro de Berlim caiu. Três anos depois tinha poupado o suficiente para ir a França”.

Senft queria apoiar os ciclistas como nenhum outro tinha feito antes. Inspirado pelo speaker alemão Herbert Watterot, que designava a última volta dos critérios germânicos como “a volta do Diabo vermelho”, assumiu o seu fato encarnado como uma segunda pele e raramente o trocou (houve uma indumentária rosa no Giro e uma amarela quando o Tour celebrou a centésima edição).

“Tento evitar lugares com muita gente, porque preciso de espaço para o meu 'acto’”, explicou numa entrevista em 2004. Ao volante da sua mini-van, o alemão dormia em parques públicos, comia comida enlatada, chegando a perder quatro quilos durante as três semanas da Grande Boucle. Aqui e ali, aceitava o convite de outros fãs para tomar o pequeno-almoço. “Às 4h30 acordava para pintar os meus tridentes na estrada. Preciso de cerca de 50 litros de tinta para o Tour. Às 7h30 encontro o meu sítio na estrada”. Horas depois, quando os ciclistas apareciam, saltava para a estrada, com gritos vibrantes. Se os primeiros grupos o ignoravam, os "grupetos" que lhes seguiam não hesitavam em roubar-lhe o tridente ou outros adereços mais pontiagudos, obrigando-o a uma corrida extra.

O mediatismo que conquistou proporcionou-lhe patrocínios, os mesmos que perdeu durante os anos de ausência do Tour na televisão alemã. No final de 2014, numa entrevista ao Bild, anunciou que pousava definitivamente o tridente. Com um salário de 500 euros, sem ajudas e com a saúde debilitada desde que em 2012 foi operado a um coágulo no cérebro (foi a única edição da Volta à França que falhou), o avô de 63 anos dedica-se agora a outra das suas grandes paixões: acumular recordes, seja com a construção das maiores bicicletas pedaláveis, seja com a criação de uma guitarra maior do que a inscreveu no livro do Guiness.

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