À volta do Tour: Nacer Bouhanni, o Mike Tyson do pelotão

Leia aqui algumas das histórias mais desconhecidas da mais importante corrida de ciclismo do mundo.

Foto
O francês Nacer Bouhanni balança entre o ciclismo e o boxe LIONEL BONAVENTURE/AFP

"De certeza fora do Tour. Costela fissurada ou fracturada...”. O ansiado regresso de Nacer Bouhanni ao Tour acabava antes de começar. Uma queda aparatosa nos campeonatos nacionais, a seis dias do início da Volta à França, parecia deitar por terra o sonho do sprinter francês. Mas o impulso irreflectido no Twitter, causador de tantas notícias mentirosas, seria desmentido horas depois, num comunicado sucinto que indicava os nove escolhidos da Cofidis para a Grande Boucle. O cognome de Mike Tyson do pelotão ressoava com toda a propriedade.

Tal como o boxista que tanto admira, também o francês, de sobrolho cortado e ar angelical, tem sete vidas. Para explicar a essência deste franco-argelino é preciso recuar quatro anos. Chegada ao sprint na Volta à Turquia. O atrevido gaulês, então com 20 anos, intrometia-se inconscientemente numa luta que não era a sua, a dos velocistas consagrados do pelotão. Irritado com a trajectória perigosa de Bouhanni, Alessandro Petacchi deu-lhe um murro nas costas. “Não te enganes, eu faço boxe”, avisou. O episódio serve, ainda hoje, como cartão de visita do mais jovem campeão francês de sempre (foi-o em 2012, com 21 anos).

“O boxe é a minha paixão, o ciclismo a minha profissão”. Tem sido assim desde os oito anos. O pai, Karim, ciclista frustrado, quis que o filho vivesse o seu sonho por procuração. Ofereceu-lhe uma bicicleta numa tentativa de sedução para que abandonasse o boxe, modalidade que o irreverente petiz tinha descoberto dois anos antes. Nacer nunca consentiu trocar um amor pelo outro. Encontrou-lhes uma harmonia que perdura desde os tempos em que foi gendarme nos Vosges até hoje – na pré-temporada, usa o boxe para se manter em forma, tendo mesmo como companheiros de treino alguns campeões nacionais de pesos ligeiros. 

“No último quilómetro de uma prova, a adrenalina cresce a conta-gotas. O boxe ensinou-me a controlar a minha agressividade até ao momento certo. A 200 metros da linha, liberto toda a minha raiva, a mesma que sinto no ringue quando o meu adversário se aproxima de mim”. Pode dizer-se que o método funciona: nas cinco épocas que passou na FDJ, a primeira das quais como estagiário, coleccionou 30 triunfos, entre os quais três etapas no Giro e duas na Vuelta, todas em 2014.

Mas Bouhanni não era feliz na FDJ. Preterido pelos directores desportivos da equipa francesa, o rapaz que vê vídeos de Mike Tyson na véspera dos sprints e quer dedicar-se ao boxe a partir dos 32 anos aceitou sem pestanejar o convite da Cofidis. Ao voto de confiança respondeu como melhor sabe, com triunfos. Cinco, os dois últimos no Critério do Dauphiné. No Tour, será um garante de espectáculo, quer pelos sprints fantásticos, quer pelas tiradas polémicas ou pelas inimizades que cria no pelotão.

Sugerir correcção
Comentar