A semana em que um raio caiu duas vezes em cima da mesma águia

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Benfiquistas na Praça do Comércio Enric Vives-Rubio
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O relógio marca 19h30 e também uma espera que rouba tempo de vida a milhares de benfiquistas na Praça do Comércio, em Lisboa. Correm os minutos à canelada, até os minutos se transformarem em segundos, e depois empurram os segundos com as mãos já dentro da grande área da ansiedade. Mais do que derrotar o Chelsea, só querem derrubar o relógio.

Quando o primeiro apito do holandês Björn Kuipers chega à praça, milhares de gargantas presas há horas, há dias, há 23 anos, explodem em gritos que chegam a Amesterdão. Não se ouvem na Holanda, mas estes benfiquistas têm a certeza de que chegam lá. Aos ouvidos de Cardozo, ao coração de Matic e ao sonho de outros milhares de benfiquistas como eles.

Grita João Hilário, 47 anos e uma noite em que sonha esquecer-se da desilusão do jogo no Estádio do Dragão. Grita Hélder Matos, 26 anos e uma águia a sobrevoar-lhe a vida desde que nasceu. João vive em Lisboa e Hélder é de Castelo Branco, mas trabalha na capital. A existência de um só foi revelada ao outro há minutos, mas agora um e outro conhecem-se há anos. Só por esta noite, são da mesma família — uma família que já não se reunia para uma final europeia desde 1990. Antes, em 1983, o Benfica perdera a final da Taça UEFA contra o Anderlecht, e João Hilário ainda hoje lamenta não ter testemunhado esse pedaço de história benfiquista. “Lembro-me de que queria ir ao jogo, mas o meu pai não me deu dinheiro porque era do Sporting”, recorda. A idade de Hélder Matos denuncia a sua relação com finais europeias do Benfica. “É a primeira que estou a ver, por isso é o jogo em que me sinto mais nervoso.” Mas está confiante. Daqui a pouco, após o apito final, “Marquês de Pombal, sem dúvida”.

Mais perto do palco principal — onde antes do início do jogo uma banda de versões dos Queen terminava a sua actuação com o inevitável We are the champions —, dois irlandeses somavam o desdém pelo Chelsea às férias em Cascais e chegavam a um resultado óbvio. “Estamos pelo Benfica. O Chelsea não é um clube muito popular”, diz Phill Murphy, pai, ao lado de Gary Murphy, filho. Phill tem outras razões para comemorar. É o dia do seu 50.º aniversário e Gary chegara aos 27 na semana passada. São ambos adeptos do Manchester City e apostam que o Benfica vai ganhar nas grandes penalidades.

Há fumo vermelho a pintar o céu, acompanhado pelo som dos petardos que ajudam a abafar os gritos de “Vamos, Benfica!” e outras coisas que só costumam ser reproduzidas com asteriscos. O Benfica dominava o jogo e nem Béla Guttman, o treinador da “maldição”, escapava. “Vai Béla, vai Gutman, vai para o *******.”

Encostado aos resguardos que impediam D. José I de ver a final, Manuel Geada, 76 anos, analisava o espectáculo com tristeza. “Dizem que o futebol leva o nome de Portugal, mas o nome de Portugal não é para ser levado aos pontapés. Voltámos à mesma história: Fátima, futebol e fado.” Nada que incomode Frederico Conceição e Íris Peerally, ambos de 20 anos. Ele, de cachecol do Benfica no pescoço, é do Sporting; ela sim, é do Benfica. É tudo uma questão de solidariedade. Ela também apoia o Sporting “em jogos importantes”, embora ele reconheça que “não tem visto muitos nos últimos tempos”.

O segundo golo do Chelsea, em cima do apito final, era mais do que um balde água fria. Depois da derrota frente ao FC Porto, também nos descontos, ficou mais uma vez provado que um raio pode cair duas vezes no mesmo sítio. “Somos uns coitadinhos. Tivemos azar, mas merecíamos ganhar”, resumia Jaime Garcia, lisboeta de 35 anos. Ao seu lado, um grupo de jovens fechava as portas da noite azarada com um grito repetido até à exaustão e carregado de orgulho: “Benfica!”

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