A relva transformou-se num campo de batalha pela igualdade de género

Algumas das melhores futebolistas do planeta recusam-se a jogar o Mundial 2015 em relva artificial e estão em guerra legal contra a FIFA e o Canadá, país organizador do torneio.

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Apresentação do logotipo do Mundial 2015 em Vancouver Andy Clark/Reuters

Já não é apenas uma troca de palavras e argumentos ou declaração de intenções. A luta de algumas das melhores futebolistas do planeta pelo direito de jogar o próximo Mundial de futebol feminino, que decorrerá entre 6 de Junho e 5 de Julho de 2015 no Canadá, já passou para os tribunais e, depois de o comité organizador do torneio ter rejeitado, na última sexta-feira, uma proposta de mediação, o conflito entre as partes dificilmente terá uma solução amigável. O processo vai, assim, continuar a decorrer no Tribunal dos Direitos Humanos de Ontário e, dizem os especialistas, tem grandes hipóteses de ser favorável às futebolistas.

Na base da argumentação deste grupo de atletas, que inclui a alemã Nadine Angerer (eleita pela FIFA a melhor jogadora de 2013) e a norte-americana Amy Wambach (vencedora do prémio FIFA em 2012), está uma questão de discriminação sexual, de obrigarem as jogadoras a competir no Mundial em campos de relva artificial, enquanto todos os Mundiais masculinos e femininos até agora foram disputados em campos com relva natural, condição que se vai repetir na Rússia, em 2018, e no Qatar, em 2022.

“Merecemos jogar na mesma superfície que os homens. No Mundial de 2018 na Rússia, onde quase todos os estádios usam relva artificial, está previsto que esta seja substituída por relva natural. É uma clara violação das leis canadianas contra a discriminação”, observa Wambach, ponta-de-lança com 228 internacionalizações pela selecção norte-americana e três participações em Mundiais. O desejo das jogadoras é simples: que a organização canadiana e a FIFA procedam à substituição temporária da relva artificial nos seis estádios do torneio (Montreal, Edmonton, Vancouver, Winnipeg, Ottawa e Moncton) por relva natural, algo que os dois organismos rejeitam.

Segundo Hampton Dellinger, advogado deste grupo de jogadoras, a Federação Canadiana de Futebol não está interessada em dialogar. “Poucas horas após o tribunal ter aceitado mediar o conflito, a federação rejeitou a mediação. Essencialmente, o que eles disseram ao tribunal e às jogadoras é que não querem negociar. No entanto, de acordo com a ordem do tribunal, tanto as jogadoras como a federação tinham concordado com a mediação”, revelou o advogado, citado pelo jornal Washington Post.

Dellinger já antes havia denunciado que várias jogadoras deste grupo, incluindo a mexicana Teresa Noyola ou as francesas Camille Abily e Elise Bussaglia, haviam sido abordadas pelas respectivas federações com a ameaça de lhes retirarem o estatuto de internacionais se se mantivessem ligadas a este processo.

Para as futebolistas, esta não é apenas uma questão de discriminação de género. No processo que apresentaram, no início de Outubro, no tribunal de Ontário, argumentam que jogar em relva artificial não é a mesma coisa que jogar em relva natural, que a bola não circula da mesma maneira e que o risco de lesões aumenta. “As mulheres têm uma combinação quase letal de factos e da lei e contam com advogados brilhantes. O sucesso neste caso vai ser quase automático”, considera Lester Munson, analista jurídico da ESPN.

Este grupo que inclui cerca de 50 jogadoras de 12 nacionalidades (EUA, Alemanha, Austrália, Brasil, Colômbia, Costa Rica, França, Japão, México, Nova Zelândia, Coreia do Sul e Espanha) já recebeu o apoio de vários quadrantes, desde a própria selecção masculina dos EUA, até estrelas do basquetebol (Kobe Bryant, um assumido adepto de futebol) e do cinema (Tom Hanks). Até o senado norte-americano se colocou do lado das jogadoras, com 13 senadores a enviarem cartas dirigidas à federação americana e a Sepp Blatter, presidente da FIFA.

O organismo que tutela o futebol mundial, por seu lado, considera que as condições meteorológicas previstas para as cidades-sede durante o torneio aconselham o uso de relva artificial e diz que aceitou a proposta da federação canadiana para o uso deste tipo de superfície, de acordo com os seus próprios regulamentos de competição. “Todos os jogos devem ser disputados em campos de relva natural ou, em caso de dispensa concedida pela FIFA, de superfícies artificiais”, é o que diz o ponto 5 do artigo 14.º do regulamento do Mundial feminino de 2015.

“A federação canadiana propôs que o torneio se jogasse em relva artificial, sobretudo devido ao clima do país. Seria muito difícil garantir relva natural em todos os estádios. Não é uma questão de dinheiro, ou de diferenças entre eventos masculinos e femininos, mas das condições naturais do Canadá”, explicou Jérôme Valcke, secretário-geral da FIFA, em declarações ao site oficial do organismo.

Parece, no entanto, garantido que o próximo Mundial feminino, em 2019, será em relva natural. Ainda não está decidido quem será o anfitrião, mas os dois países que ainda estão na corrida, França e Coreia do Sul, garantem que tal vai acontecer.

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