A Polónia anseia pelo Lewandowski do Bayern

Avançado ainda não marcou neste Euro, mas a sua história de vida deu-lhe a força mental para ultrapassar as contrariedades e responder aos críticos.

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Lewandowski sofre críticas na Polónia pela ausência de golos MARTIN BUREAU/AFP

A relação entre Robert Lewandowski e os adeptos polacos tem sofrido oscilações ao longo do tempo. Não são raras as vezes em que o letal ponta-de-lança, um dos melhores do mundo, foi criticado em “casa” por não espelhar na selecção nacional a mesma eficácia que exibia nos clubes por onde passou, nomeadamente na Alemanha. Não será então de estranhar que a seca de golos no Euro 2016, após uma grande época no Bayern Munique, esteja quase a ser tratada na Polónia como um assunto de Estado. Um pouco como aconteceu com Cristiano Ronaldo após as duas primeiras partidas em França.

“Robert Lewandowski sofreu de novo no relvado”, escrevia o Przeglad Sportowy, o mais prestigiado jornal desportivo do país, após o jogo com a Ucrânia, que os polacos venceram, por 1-0, com um golo de Jakub Blaszczykowski. O próprio presidente da federação, Zbigniew Boniek, antiga estrela da selecção, já procurou desdramatizar a questão, qualificando como “histeria” a pressão que está a ser exercida sobre o jogador: “Robert não é um problema para nós, mas sim um problema para os nossos adversários.”

E até na Alemanha, há reflexões sobre o tema. “A discussão mostra a importância de Lewandowski para a equipa nacional. Ele é a maior estrela, o jogador mais importante e aquele em que se colocam as maiores expectativas”, sintetizou ao jornal Der Spiegel o antigo internacional polaco Andrzej Juskowiak, que jogou no Sporting entre 1992 e 1995.

Alvo permanente dos órgãos de comunicação social, Lewandowski vai-se justificando, com aparente serenidade. “Estas situações acontecem, mas estou muito feliz por a equipa ter criado lances para marcar e ganhar. Eu não tive essas oportunidades, mas outros fizeram-no. Como capitão, estou orgulhoso desta equipa! Fizemos algo excepcional [passar aos quartos-de-final de um Euro pela primeira vez na história] e espero que não termine por aqui. Sou paciente e trabalho para a equipa. Talvez o destino me recompense. Mas, por enquanto, regozijemo-nos, porque o sonho continua.”

Esta não é a primeira vez que Lewandowski é alvo deste tipo de pressões ao serviço da selecção, onde já não marca há sete meses. As críticas mais duras surgiram no Euro 2012, um torneio organizado conjuntamente pela Polónia e Ucrânia. O avançado apontou apenas um golo na partida de abertura, frente à Grécia (1-1), então orientada por Fernando Santos e, no final da fase de grupos, o último lugar e a eliminação foi decepcionante para todos. Lewandowski foi o principal alvo da frustração. O mesmo aconteceu no apuramento falhado para o Mundial de 2014, no Brasil, onde marcou apenas três golos, dois dos quais ao modesto San Marino.

Mas com a chegada de Adam Nawalka, em Outubro de 2013, tudo começou a estabilizar-se para o goleador, nascido em Varsóvia, há 27 anos. Sem hesitações, o novo seleccionador apostou na motivação do seu importante activo, elemento fundamental na estratégia que tinha idealizado para recuperar a imagem da Polónia no panorama futebolístico internacional. O primeiro passo foi reforçar o estatuto de Lewandowski como capitão, justificando que ele era “o melhor jogador” da equipa. E o atacante respondeu com eficácia na qualificação para o Europeu de França. Foi o melhor marcador da equipa, com 13 golos (um recorde nesta fase de apuramento), conseguindo harmonizar a sua relação com os adeptos.

Nawalka desdramatiza

Esta quarta-feira, questionado pelo PÚBLICO sobre a possibilidade de Lewandowski ainda poder ser uma das figuras deste Euro, Adam Nawalka preferiu salientar as qualidades do seu avançado: “Não me canso de dizer que o Robert é um jogador importante para a equipa, um dos melhores pontas-de-lança do mundo. Para mim é o melhor. Estou muito contente com o seu desempenho neste Euro e tem cumprido um papel importante nos jogos, ajudando a equipa. Faz o que lhe digo para fazer. Está em excelente forma e vai continuar a fazer um bom trabalho.”

Apesar destas palavras do seleccionador, é indesmentível que a exigência em relação ao desempenho de Lewandowski cresceu em França. Especialmente depois de uma temporada de sonho, mas esgotante, ao serviço do Bayern Munique, na Alemanha, onde foi o melhor marcador da Bundesliga, com 30 golos (cinco dos quais apontados ao Wolfsburgo em menos de nove minutos). Um registo que nunca tinha sido alcançado por um jogador estrangeiro no campeonato germânico.

Os polacos anseiam ver esta eficácia reproduzida na selecção, mas, mesmo com números mais modestos, Lewy (como é chamado no seu país), soma 34 golos. Será apenas uma questão de tempo até ultrapassar o recorde de 48 golos de Wlodzimierz Lubanski (entre 1963 e 1980), o melhor marcador de sempre da equipa nacional.

Para já, Lewandowski não parece abatido com as críticas que tem sofrido neste Euro e tem provado ao longo da sua vida que lida bem com este tipo de pressão. Uma mentalidade forte, que começou a formar-se na sua juventude. Aos 16 anos perdeu o pai, Krzysztof, a sua grande fonte de inspiração, e, dois anos depois, foi rejeitado pelo Legia Varsóvia, com o argumento de que o jovem jogador nunca iria ser um jogador de futebol.

Família de atletas

A decepção não o fez desistir do sonho, acabando por encontrar um clube da III Divisão interessado nos seus serviços. O instinto goleador foi surgindo e convenceu o Lech Poznan a contratá-lo na temporada de 2008-09. Em dois anos assinou 41 golos e despertou a atenção dos alemães do Borussia Dortmund, que o garantiram a troco de 4,75 milhões de euros no Verão de 2010.

Depois de 103 golos em quatro épocas, em final de contrato, mudou-se para o Bayern Munique, sem qualquer custo para os bávaros, para além dos 11 milhões de euros salariais anuais. Hoje, face à lista de interessados, os responsáveis do clube garantem que só prescindirão dos seus serviços por 50 milhões de euros.

Um sucesso que o pai sempre antecipou. “A morte do meu pai foi o momento mais difícil para mim”, reconheceu, numa entrevista ao alemão Sport-Bild: “De repente, eu era o único homem da família e tive de ser um adulto. A memória do meu pai ainda está presente em mim. Quando vou fazer um treino extra, digo a mim mesmo: ‘Estou a fazer isto por ele.’ É uma boa motivação.”

O desporto sempre fez parte da essência de Lewandowski ou não tivesse nascido numa família de atletas. O pai foi campeão polaco de judo e futebolista na II Divisão; a mãe, Iwona, jogou voleibol no escalão principal da Polónia, assim como a irmã, que tem representado a selecção nacional de sub-21.

Católico fervoroso, Lewandowski aponta para o céu quando marca golos, dedicando-os ao pai, que lhe deu o nome de Robert por ser mais fácil de pronunciar quando um dia se tornasse futebolista reputado e fosse jogar para o estrangeiro. “O meu pai não estava lá para ver o meu primeiro jogo como profissional e, por isso, quando faço um golo importante dedico-o a ele. Nesses momentos, eu sei que ele me observa e espero que esteja orgulhoso de mim.”

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