A melhor táctica é marcar um autogolo

Em 1994, a selecção de Barbados marcou um golo na própria baliza para seguir em frente na Taça das Caraíbas.

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Sealy e Stout decidem entre si quem vai marcar o autogolo DR

Barbados e Granada. Duas nações insulares no Mar das Caraíbas que vivem do turismo. Os seus maiores heróis desportivos são do atletismo, ambos velocistas. O barbadiano Obadele Thompson foi medalha de bronze nos 100m dos Jogos Olímpicos de Sydney 2000, o granadino Kirany James é o campeão olímpico vigente nos 400m. No futebol, estão condenados à irrelevância internacional, como quase todas as nações caribenhas. O mais que podem aspirar é fazer figura na Taça das Caraíbas e, mesmo assim, nunca nenhuma das duas selecções conseguiu um título.

O torneio obedece às regras gerais do futebol, mas os seus organizadores parecem ter liberdade para inovar. Foi o que aconteceu na edição de 1994. Com o nobre propósito de inspirar as selecções participantes a praticar um futebol mais ofensivo, foram banidos os empates e ficou decidido que, nos prolongamentos, um golo marcado valeria por dois. No Grupo 1 da fase preliminar, não parecia estar a dar grande resultado. O primeiro jogo terminou numa vitória por 1-0 de Porto Rico sobre Barbados, enquanto o segundo terminou com uma vitória de Granada após prolongamento por 1-0 (2-0, de acordo com as regras) sobre os porto-riquenhos.

Tudo se iria decidir no jogo final do agrupamento, a 27 de Janeiro, no Estádio Nacional em Saint Michael, Barbados, num Barbados-Granada. Granada tinha a vantagem dos golos e Barbados precisava de vencer por dois de diferença. Tudo parecia correr da melhor maneira para a selecção da casa, que se colocou em vantagem por 2-0. Faltavam sete minutos para os 90’ quando os visitantes fizeram o 2-1, um golo que os colocava na fase seguinte e eliminava os barbadianos, caso estes não conseguissem marcar mais um golo.

Era de prever que a selecção de Granada defendesse com 11 para impossibilitar a selecção de Barbados de chegar perto da sua baliza. O que se seguiu foi um dos momentos mais bizarros da história do futebol, patrocinado pela bem intencionada e mal pensada inovação dos regulamentos. Minuto 87, a bola chega à pequena área de Barbados, controlada pelo defesa Sealy. Segue-se uma troca de bola entre Sealy e o guarda-redes Horace Stout até que a bola vai para o fundo da baliza de Barbados. Autogolo propositado, empate e prolongamento (onde os golos valiam por dois) à vista.

Os granadinos levaram alguns minutos até perceberem a artimanha do adversário, mas, quando quiseram marcar também eles um autogolo, já era demasiado tarde, porque metade da equipa de Barbados estava a defender a sua baliza. O jogo foi para prolongamento e Barbados viu o seu engenho premiado com um golo de ouro de Thorne que lhe deu a vitória por 4-2.

“Sinto-me roubado. Quem inventou estas regras devia ser candidato ao internamento num manicómio. O jogo nunca devia ter sido jogado com tantos jogadores a andarem a correr no campo confusos sem saber o que fazer. Os nossos jogadores nem sequer sabiam para que lado atacar: a baliza deles ou a nossa. Nunca vi uma coisa destas acontecer. No futebol, o objectivo é marcar na baliza adversária, não na própria”, lamentou no final James Clarkson, seleccionador de Granada.

Há muito poucos registos sobre este jogo. Naturalmente que a imprensa internacional quase não ligou à Taça das Caraíbas em 1994 e houve apenas curtas referências nos jornais britânicos Times e Guardian – algo semelhante na era da internet e das redes sociais seria viral no próprio dia. Mas, felizmente, alguém conseguiu encontrar um vídeo de 35 segundos e o colocou no Youtube. Imagens em movimento para provar que nem sempre a melhor defesa é o ataque.

Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

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