A Madeira já está no mapa dos catamarãs de alta competição

A estreia do Funchal como uma das escalas no circuito Extreme Sailing Series convenceu a elite mundial da vela. Morgan Larson, experiente tanto na America’s Cup como na Series, diz que nunca prestou provas em local que melhores condições oferecesse.

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Lloyd Images

Na marina nova do Funchal, há navios de passageiros em fundo e, do lado de terra, algumas centenas de pessoas encostadas ao varandim que separa a água da marginal. Pelo meio, o mar está decorado por catamarãs hidrofoil cujas equipas procuram os melhores ângulos para ganharem o impulso de vento que lhes permitirá voar sobre a água ao longo de um trajecto específico. É sempre assim nas diversas regatas que compõem cada etapa do campeonato Extreme Sailing Series, mas, na do passado fim-de-semana, a novidade foi a estreia da Madeira no circuito competitivo da vela internacional – e logo como anfitriã da prova de peso que envolve essas arrojadas embarcações da classe GC32 e alguns dos melhores velejadores da actualidade.

A ilha conseguiu captar o evento graças à intervenção da equipa Sail Portugal e, logo de início, o Turismo da Madeira associou-se ao projecto porque, como explica Kátia Carvalho, directora desse organismo, o arquipélago já vinha acolhendo eventos náuticos de âmbito regional, mas “era tempo de o catapultar para o patamar internacional da alta competição”. Em cerca de três meses, os anfitriões portugueses conseguiram assim montar um evento que noutras cidades vem exigindo um ano de preparativos e o balanço da experiência é agora de tal forma positivo que o Funchal espera acolher em 2017 outra etapa da Series e repetir o feito no ano seguinte. Não é coisa pouca, considerando que em causa está uma das três principais provas mundiais da modalidade.

Um dos velejadores que melhor compreende o alcance do que se conseguiu no Funchal é o norte-americano Morgan Larson. No currículo tem prestações de topo em diversas campanhas da America’s Cup, um título do Campeonato do Mundo na classe 505, desempenhos superiores nas de 49er e 470, a vitória da Extreme Sailing Series de 2014 como membro da equipa Alinghi e o cargo actual de skipper da Oman Air, que consistentemente vem ocupando o topo da tabela no que se refere aos catamarãs de foil. É com base nessa experiência desportiva, que já o levou a navegar nas melhores arenas náuticas do mundo, que o americano afirma: “Do ponto de vista técnico, a Madeira tem uma costa fantástica, com todas as condições de que um velejador precisa para uma excelente navegação. Logisticamente, a ilha também tem a vantagem de estar próxima de Lisboa, o que permite uma fácil expedição do material, e, melhor do que isso, conta com parceiros locais que nos proporcionaram um espaço excelente para montagem dos barcos – um estaleiro que é realmente de primeira classe. Imbatível”.

Marinheiro e surfista, Larson ainda acrescenta à lista de qualidades do mais recente cenário da Series a proximidade entre a frente náutica do Funchal e as plateias em terra, toda a oferta turística da cidade a poucos metros de distância da marina e a hospitalidade característica do “sempre muito entusiasta” povo português. Em síntese, garante: “O Funchal foi o melhor local de prova em que estive até hoje. Faltou-lhe algum vento, é certo, mas, à parte essa questão, que nunca ninguém conseguirá controlar, não há nenhuma crítica que eu possa fazer à organização do evento”.

Com 12 títulos de campeão nacional e três prestações olímpicas nas classes Star, 49er e Tornado, Diogo Cayolla é o capitão da equipa Sail Portugal - Visit Madeira, já competiu em frentes de mar como as de Sydney, Lago Garda, Porto Cervo e Rio Janeiro, e procurou avaliar com o desapego possível a etapa do Funchal. “Um campeonato é muito mais do que aquilo que se passa na água e a realidade é que nem parecia que o Funchal estava a organizar uma prova da Series pela primeira vez”, declara. “Eu sempre disse aos organizadores que não deviam preocupar-se por esta ser a estreia da Madeira, já que o standard português na realização de eventos está muito acima do que se verifica no resto do mundo, e o que aconteceu é que, no fim das regatas, a reacção das pessoas dizia tudo: noutros países, elas passam pela ‘village’ [que funciona como sede da organização e área de convívio] e vão-se logo embora; na Madeira, todos continuavam por lá até à última e parecia que não queriam sair dali”.

Tempo de ser “sexy”

Algo que Morgan Larson também notou diferente no Funchal, comparativamente a outras cidades que acolhem a Extreme Sailing Series, foi a curiosidade demonstrada pelos locais quanto à modalidade. “A Madeira está para Portugal como o Hawai para os Estados Unidos. As pessoas que lá vivem não têm tantas alternativas de lazer quanto no continente e, por isso mesmo, envolvem-se muito mais em tudo o que aí acontece”, explica. O velejador americano não estranhou, por isso, o apoio demonstrado pelos espectadores madeirenses nas regatas de menos vento e brilhantismo, mas admite ter ficado surpreendido perante o espírito “social e pedagógico” demonstrado pelos organizadores e patrocinadores da prova. “Aqui eles não estão tão preocupados com os resultados comerciais do evento quanto com a criação de uma experiência enriquecedora para a população”, defende.

Rodrigo Moreira Rato tem acompanhado há anos os principais eventos da modalidade e sabe que o futuro da vela beneficiará sempre com a captação de novos públicos. Perante a impossibilidade de levar cada novo adepto a navegar num catamarã GC32, contudo, reclama a adopção de outras estratégias para promoção do desporto e uma que defende há muito é a de cativar para a modalidade uma maior presença feminina – e não apenas no que se refere à captação de mulheres atletas.

“A nossa história faz-se de velejadores cujos actos foram sempre ou heróicos ou trágicos, pelo que a Vela ainda hoje motiva um certo romantismo no imaginário das pessoas e isso significa que qualquer prova das classes mais exigentes da modalidade tem o potencial de conferir um upgrade social a qualquer cidade ou público”, analisa. “O que acontece, no entanto, é que, enquanto alguns países já exploram bem todo o glamour em torno da Vela, em Portugal ainda há muito caminho a percorrer e isso vê-se por aspectos como a reduzida presença de mulheres na plateia das provas”. Para Rodrigo Moreira Rato, o universo náutico envolve “um lado sexy que ainda não está devidamente explorado e cujo potencial é tremendo”, sobretudo ao nível da sponsorização. "O paradigma do convite que é dirigido aos homens porque eles é que gostam de vela tem que ser quebrado – as mulheres é que têm que ser chamadas a assistir”.

Diogo Cayolla hesita um instante ao procurar manter a contenção típica de um cavalheiro, mas, de rosto sério para dissimular o tom de humor, não repudia a estratégia. “Ainda ontem andámos no barco o dia inteiro em tronco nu”, recorda. “Não sei que mais podemos fazer para elas nos virem ver!”. 

* O PÚBLICO viajou a convite do Turismo da Madeira

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