A arte de Van Nistelrooy também se ensina

Antigo avançado holandês vai ter uma nova missão no final da época. E vai poder reviver os tempos de glória.

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Conselho número um, o posicionamento. “É crucial. Há três boas posições: entre os centrais, entre o lateral direito e o central ou entre o lateral esquerdo e o central”. Conselho número dois, o engodo. “Se nos colocarmos atrás do defesa, ele tem de nos procurar e, enquanto olha para a bola, não sabe onde estamos. Estar em fora-de-jogo até a bola ser jogada é fundamental”. Conselho número três, a movimentação. “Temos de orientar-nos pelo portador da bola. Se um defesa tiver a bola e tiver capacidade para um passe de 40 metros, temos de correr para o espaço para interceptar o passe”.

Poderiam ser dicas de principiante, mas tendo em conta que saem da boca de Ruud van Nistelrooy, dir-se-á que ganham um estatuto de autoridade. Um dos maiores avançados da história do futebol holandês vai, a partir da próxima época, colocar todo o seu know-how ao serviço das camadas jovens do PSV Eindhoven. O mesmo é dizer que os atacantes dos sub17, dos sub19 e da equipa de reservas do campeão da Holanda vão contar com um especialista que, durante anos a fio, alimentou uma relação íntima com o golo.

Começou nas ruas da pequena localidade de Oss, no sul do país, essa relação de longa duração. Nas mesmas ruas onde o então jovem Ruud foi vítima de bullying, porque a família decidiu mudar-se na perspectiva de aumentar as hipóteses de o seu talento ser detectado. “[Os outros miúdos] Vinham atrás de mim porque pensavam que me julgava melhor do que eles. Perguntavam: ‘Quem achas que és para deixar a nossa cidade?’”, recordou recentemente em Oxford, durante um debate. “Era esse o tipo de mentalidade que existia. Nascias lá, tinhas de morrer lá”.

Nistelrooy, que se recorda também dos “pontapés” que levava durante os jogos na infância, haveria de sofrer muitas entradas ríspidas nos anos que se seguiram, quando finalmente repararam no seu potencial, aos 14 anos. O Den Bosch deu-lhe um primeiro palco para exibir os seus dotes, mas rapidamente o Heerenveen (1997) e o PSV (1998) o resgataram. E 62 golos em 67 jogos pelo clube de Eindhoven foram suficientes para convencer o Manchester United.

A mudança para Inglaterra, porém, começou com contornos de pesadelo. No Verão de 2000, estava prestes a ser anunciada a transferência para Old Trafford por um valor recorde de 18,5 milhões de libras, mas a conferência de imprensa devida foi, ao invés, utilizada para levantar dúvidas sobre a condição física do jogador, que havia estado um mês parado devido a um problema no joelho. O negócio abortou e, para tornar o cenário ainda mais negro, Nistelrooy sofreu uma ruptura do ligamento cruzado do joelho no treino do dia seguinte. Resultado: praticamente um ano de paragem.

A paciência e a persistência compensaram, porém. O Manchester não desistiu e o segundo take da operação correu de feição. O investimento era pesado, a responsabilidade também, mas Nistelrooy estava à altura do desafio. Marcou no primeiro jogo pelo United, na Supertaça, frente ao Liverpool; marcou na estreia na Premier League, frente ao Fulham. Começava uma era de ouro para o holandês.

Em Inglaterra, fez 150 golos em cinco épocas (219 jogos) e conquistou vários títulos colectivos e individuais. Aventurou-se depois no Real Madrid, por se sentir “acomodado” em Manchester, marcando 64 golos em 96 partidas, antes de entrar na recta final da carreira, para representar o Hamburgo (17/44) e o Málaga (5/32). Pela selecção, deixou uma marca de respeito também: 35 golos em 70 internacionalizações. Um pecúlio bem melhor do que aquele que recentemente obteve no corpo técnico da (cada vez menos) Laranja Mecânica.

Depois do Mundial 2014, tornou-se adjunto de Guus Hiddink à frente dos destinos da selecção, apenas para somar um dos maiores fracassos dos últimos largos anos, ao falhar o apuramento para a versão alargada do Campeonato da Europa deste ano. “Foi um choque, um desastre nacional e eu fiz parte dele. É difícil compreender como é que fomos terceiros no Mundial e agora não nos qualificámos”, assumiu.

Fechou-se um ciclo na selecção, reabriu-se a porta do PSV, agora com a missão de apurar as qualidades dos futuros avançados da equipa. Todos eles terão, seguramente, uma carreira como a de Ruud na cabeça. E golos como o que marcou ao Fulham, em Março de 2003, depois de ganhar a bola no meio-campo e bater todos os adversários que lhe saíram ao caminho até rematar com classe para a baliza. “Foi o melhor golo que alguma vez marquei”, recorda. Mas esse é daqueles que não se ensina. 

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