A Suíça deixou de ser o patinho feio do futebol europeu

Suíços pela quarta vez seguida numa grande prova internacional, foram campeões mundiais sub-17 e finalistas do Mundial de futebol de praia

Conjugar as palavras "Suíça campeã mundial" na mesma frase era algo que não passava pela cabeça de quem acompanha o futebol suíço, como confessou um jornalista do Tages-Anzeiger quando teve de noticiar a vitória da selecção helvética no Mundial sub-17 deste ano. Este título foi, no entanto, apenas mais uma prova da evolução do futebol suíço nos últimos 15 anos, em que a selecção se tornou presença habitual nas grandes provas internacionais, além de ter conquistado também o Europeu de sub-17, em 2002.

Ironicamente, e numa altura em que a Suíça é olhada como um exemplo de intolerância religiosa pela proibição de minaretes, os imigrantes (muitos deles de origem muçulmana) são apontados como uma das razões do sucesso. Até porque da população suíça (7,6 milhões), 20 por cento são considerados estrangeiros.

"Basta olhar a formação da selecção nacional para perceber que o papel dos segundos, filhos de pais imigrantes, é muito importante", resume ao PÚBLICO Simon Meier, editor de desporto do jornal Le Matin. Uma ideia também salientada por Artur Jorge, que foi seleccionador da Suíça em 1996, e por João Alves, actual técnico do Servette, da II Divisão. "Os filhos dos imigrantes, árabes, portugueses, espanhóis, sul-americanos, são um reforço importante. As segundas e terceiras gerações estão a aparecer agora e dão outras características, como maior criatividade", explica João Alves.

Esse peso dos jogadores originários de outros países já se faz sentir na selecção principal: há futebolistas de origem turca (Gökhan Inler, Hakan Yakin e Eren Derdiyok), outros nascidos no Kosovo (Valon Behrami, Almen Abdi, Albert Bunjaku e Blerim Dzemaili), outros oriundos de África (Djourou nasceu na Costa do Marfim, Gelson Fernandes em Cabo Verde, Blaise Kufo no Congo). E depois há ainda exemplos de jogadores nascidos na Suíça, mas com ascendência diversa, como Senderos (que tem mãe espanhola) ou os irmãos David e Phillip Degen (filhos de mãe holandesa).

A selecção sub-17 campeã mundial também reflectia este "melting pot", com 13 dos campeões de origem estrangeira. Curiosamente até foram obrigados a assinar uma declaração de lealdade à selecção suíça, porque, por exemplo, é conhecido o desejo dos futebolistas nascidos no Kosovo de um dia representarem a selecção do território em que nasceram.

Sem craques

O outro grande pilar da evolução do futebol suíço foi a aposta na formação, conjugada com uma melhoria das infra-estruturas desportivas. "As condições de trabalho são muito boas. Há muitos campos para miúdos jogarem à bola", diz João Alves. Em 1996, já Artur Jorge tinha notado uma maior preocupação com o futebol jovem, hoje ao nível do que se faz em Portugal, na opinião de João Alves, que no ano passado treinou os juniores do Benfica. E o "luvas pretas" até afirma que na Suíça há algo que falta em Portugal: "Um patamar entre juniores e seniores." "Quase todos os clubes têm uma equipa sub-21", afirma.

Simon Meier vislumbra esta viragem em 1994. "A Federação Suíça teve a inteligência de investir o dinheiro do Mundial de 1994 na formação", explica o editor de desporto do Le Matin. E os resultados foram melhorando: em 1996, a Suíça participou pela primeira vez num Europeu e desde 2004 que não falha uma grande competição internacional, tendo organizado o Euro 2008 juntamente com a Áustria.

Presente em nove Mundiais (com os quartos-de-final como melhor resultado em 1934, 38 e 54), a Suíça não tem grandes figuras mundiais. Os defesas Senderos (Arsenal) e Philipp Degen (Liverpool), o médio Barnetta (Bayer Leverkusen) e o avançado Frei (Basileia) são os nomes mais sonantes, embora nenhum ocupe um lugar cimeiro entre as estrelas do futebol. Mas se na década de 1990 apenas uma minoria de suíços jogava no estrangeiro (como Chapuisat ou Türkiylmaz), actualmente muitos jogam em grandes campeonatos europeus, o que permitiu ultrapassar um certo "complexo de inferioridade", aponta Simon Meier.

Esta progressão, que surpreendeu Artur Jorge, não coloca a Suíça entre os candidatos a títulos mundiais ou europeus, até porque os próprios helvéticos reconhecem as limitações da equipa orientada por Otmar Hitzfeld. "Para obter bons resultados, a Suíça não pode ter lesionados, tem de estar na sua melhor forma e ter um pouco de sorte", aponta Simon Meier. Uma análise realista, mas que também mostra que a Suíça deixou de ser o patinho feio do futebol europeu.

Sugerir correcção