YouTube ameaça bloquear vídeos dos Arctic Monkeys, Adele ou Radiohead

Novo serviço de streaming está na origem da ameaça às editoras independentes.

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Os Arctic Monkeys em concerto no Super Bock Super Rock em Julho de 2013 Jose Sarmento Matos

Os nomes são populares, mas a medida nem por isso: Arctic Monkeys, Jack White, Adele, Radiohead, The xx, The Kills e outros músicos que trabalham com certas editoras independentes verão os seus vídeos bloqueados no YouTube nos próximos dias. A decisão foi anunciada terça-feira ao Financial Times pelo director de operações comerciais do site de partilha de vídeos, que vai lançar um novo serviço de streaming pago cujas condições contratuais são rejeitadas por algumas indie– aquelas cujos artistas serão agora afectados pelo braço de ferro e que se queixam de “bullying” para aceitar condições menos favoráveis do que as impostas às grandes editoras.

A contenda gira em torno dos termos do contrato que cada uma das “centenas de grandes editoras e de selos discográficos independentes”, como descreve o YouTube sobre a ambição do seu novo serviço pago de juntar as maiores forças na música, tem de assinar com o site de partilha de vídeos detido pela Google. O YouTube já tem acordos contratualizados com 90% de todas as editoras, entre as quais as majors Sony, Warner e Universal, sendo que as 10% que ficaram de fora verão os seus conteúdos desaparecer dos seus canais oficiais no site de partilha de vídeo em alguns países. Em causa estão conteúdos que estão no YouTube apenas por licenciamento das editoras independentes visadas e que normalmente são vídeos de actuações ao vivo ou conteúdos especiais. De acordo com a BBC, os músicos em causa não desaparecerão totalmente do site, visto que há canais, como o Vevo, que albergam alguns conteúdos de indies.

A importância do negócio do streaming cresce à medida que não só há muito as vendas de álbuns físicos caem a pique mas também numa altura em que os downloads de música pagos perdem também terreno. O diferendo surge depois de um ano de especulação sobre a intenção do YouTube de avançar com o seu próprio serviço de streaming pago para competir com outros como o Spotify, o Beats Music da Apple, o Music All Access da Google ou o serviço recentemente criado pela Amazon para os seus clientes Prime, sendo que a Rolling Stone cita fontes próximas do projecto para avançar que o dito serviço do YouTube será lançado nos próximos meses. O seu nome ainda não é conhecido, mas poderá chamar-se Music Pass e permitirá aos utilizadores pagar para ver, ouvir e descarregar música sem a interferência de publicidade em dispositivos móveis.

Robert Kyncl, director de conteúdos e operações do YouTube, disse terça-feira ao Financial Times que embora a empresa desejasse “ter uma taxa de sucesso de 100%”, admitem que esse “provavelmente não é um objectivo atingível e por isso é a nossa responsabilidade para com os nossos utilizadores e para com a indústria lançar uma experiência musical intensificada”. E confirmou que os vídeos das independentes que não assinaram com o gigante da partilha de vídeos serão retirados “dentro de dias”.

Forma errada

No Reino Unido, a organização que representa as editoras do país (BPI, e que inclui as três majors que assinaram já com o YouTube) comentou que o site da Google está a agir erradamente ao “ameaçar ostracizar certos [selos] independentes”. Geoff Taylor, o director da BPI, diz mesmo em comunicado: “Como plataforma dominante de vídeo online, o YouTube/Google devia negociar inteira e justamente com os independentes e não usar o seu poder de forma errada” – o YouTube recebe mensalmente mais de mil milhões de utilizadores. Nos EUA, o president da American Association of Independent Music, Richard Bengloff, pediu já a intervenção do governo norte-americano.

Segundo disse ao Guardian Alison Wenham, directora da Worldwide Independent Music Industry Network (WIN), o YouTube está a fazer “bullying” ao pressionar as editoras a assinar condições que não são negociáveis e cujos termos, argumenta, são menos favoráveis para os selos discográficos do que as praticadas por outros serviços de streaming já existentes – a Forbes acrescenta mesmo que esses termos não são os mesmos apresentados às majors, mas Kyncl riposta que o YouTube está a pagar aos independentes “de forma justa e consistente com a indústria”.

A plataforma global WIN, que representa os profissionais independentes de música, vai apresentar queixa à Comissão Europeia (CE) sobre a forma de negociação do serviço da Google e a Impala, associação que representa as editoras independentes europeias, já pediu há duas semanas que a direcção-geral para a Concorrência da CE proibisse o YouTube, com carácter de urgência, de avançar mais nas negociações. Em França, também o sindicato de produtores independentes apelou ao recuo do YouTube sob pena de as organizações profissionais recorrerem à CE.

Wenham disse que várias editoras de todo o mundo “estão a expressar medo, descontentamento, ultraje e confusão” perante o processo. De Portugal, a WIN conta com o apoio da Associação de Músicos Artistas e Editoras Independentes (AMAEI), que representa cerca de 20 editoras e cujo vice-presidente, Nuno Saraiva, condenou em Maio o “caminho ético errado” que segue qualquer serviço que tem “uma abordagem diferenciada entre selos grandes editoras e conteúdos independentes”. Depois do anúncio feito por Robert Kyncl, Nuno Saraiva diz ao PÚBLICO que espera que o "equívoco" seja resolvido "de forma positiva para as duas partes", porque acredita que "sem a música independente, a plataforma fica muito pobre". 

À BBC, Alison Wenham acrescentou ainda que considera que o YouTube está “a fazer um erro grave de juízo comercial ao ler erradamente o mercado”, defendendo a importância da música independente para qualquer serviço de streaming e que, por isso, que deve ser “valorizada na mesma medida”. O Guardian cita dados da agência de licenciamento Merlin (associada à WIN) que indicam que as independentes representam 32,6% do share de mercado das vendas e streaming de música. "Qualquer serviço de streaming que deixe de fora esses 32,6% [no mundo] de share de mercado, e que em Portugal será de 20 ou 25%, tem poucas hipóteses de vir a ter o sucesso de um Spotify", assinala Nuno Saraiva ao PÚBLICO.

Do outro lado do braço de ferro, o YouTube diz que a posição das independentes – são visadas a 4AD, a XL Recordings, a Cooking Vinyl, ou a Domino - é ela própria uma estratégia de negociação e um porta-voz diz mesmo à BBC que a sua intenção na criação deste novo serviço é “trazer aos nossos parceiros musicais novos fluxos de receitas além das centenas de milhões de dólares que o YouTube lhes gera todos os anos”.

Os músicos têm-se manifestado também contra a atitude do YouTube. Ed O’Brien, guitarrista dos Radiohead, acusa a Google de tentar “forçar” as independentes, e o músico Billy Bragg remata: “Não sei porque é que eles abriram este ninho de vespas agora, a não ser por arrogância corporativa. Acho que não percebem a estupidez que fizeram”.

O caso YouTube vs. Independentes surge numa altura em que outro gigante da Internet, desta feita a Amazon, está a promover um boicote aos títulos da editora Hachette no âmbito de uma potencial renegociação dos termos do seu contrato no que toca à venda de livros electrónicos. 

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