Para que podem servir os vistos gold na Cultura?

Perguntámos a alguns nomes do meio cultural o que esperam da medida anunciada por Paulo Portas. Em ano de eleições, as dúvidas são muitas. Investimento é bem-vindo mas depende de como for feito.

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Maioria acredita que será mais fácil atrair investimento na área da reabilitação do património Adriano Miranda

No final de Fevereiro o vice-primeiro-ministro Paulo Portas anunciou o alargamento da atribuição de vistos gold a estrangeiros que invistam na cultura e na reabilitação urbana, além da investigação científica. Na semana passada, Portas viu a medida ser aprovada na Assembleia da República. Mas afinal como é que o sector vê esta novidade? Com incerteza. Com eleições à porta querem ver para crer mas qualquer novo apoio à área é bem-vindo, isso é certo. O secretário de Estado da Cultura admite que há um longo trabalho pela frente mas destaca o esforço deste Governo em criar novos suportes ao desenvolvimento da actividade cultural.

A partir de agora, um investidor estrangeiro que queira residir em Portugal pode fazê-lo, mediante autorização, através de um investimento na Cultura, seja para a produção de uma peça de teatro, para a compra de obras de arte ou para a criação e produção de um projecto de raiz na área do design ou da moda. O mesmo é válido no apoio a uma instituição já existente, seja num museu ou numa fundação, e na recuperação ou manutenção do património edificado. O montante mínimo exigido é de 350 mil euros. Até aqui, este tipo de autorizações concedidas pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) estava apenas previsto para quem investisse pelo menos 500 mil euros em aquisições imobiliárias ou transferisse pelo menos um milhão de euros para Portugal.

“O montante de investimento para a actividade cultural é de 350 mil euros precisamente para criar um incentivo adicional”, diz ao PÚBLICO Jorge Barreto Xavier, secretário de Estado da Cultura, prevendo um aumento de apoios no sector através desta medida. Mas admite: será mais fácil atrair investimento na área da reabilitação do património do que noutras áreas. “Nós não temos uma projecção internacional enquanto potência de arte contemporânea muito significativa. Por vezes temos uma ideia exagerada sobre nos próprios a esse respeito. Há um longo trabalho a fazer”, afirma o secretário de Estado, garantindo que o Governo está empenhado em divulgar esta medida junto dos potenciais investidores mostrando-lhes o que por cá se faz. A prova disso, diz, é o que está a acontecer nos Estados Unidos no Kennedy Center, onde até 24 de Março estão mais de uma centena de criadores portugueses e lusófonos com os seus mais recentes trabalhos nas áreas do teatro, da dança, da música, das artes visuais, da literatura e da gastronomia.

Mas para quem conhece o sector ou está no terreno a trabalhar as coisas não parecem tão simples.

António Mega Ferreira, director executivo da Associação Música, Educação e Cultura (AMEC), não quer antecipar o que esta medida pode significar para a Cultura. É muito cedo para isso, diz. “O que posso dizer é que na situação actual do investimento cultural em Portugal isso seria muito bem-vindo”, afirma. “Mas não me parece que seja a forma mais adequada de canalizar investimentos para a Cultura porque será uma coisa absolutamente pontual, não é possível estabelecer um plano de investimentos com base na expectativa do que os investidores estrangeiros que querem vistos gold vão ter”, continua o antigo presidente do Centro Cultural de Belém. “Não creio que os vistos gold sejam a panaceia para resolver o problema do subinvestimento em que o sector da Cultura se encontra em Portugal e que é continuado há já uma série de anos mas em todo o caso vamos esperar e ver o que é que sai de tudo isso”, diz Mega Ferreira.

“Parece-me um bocadinho uma utopia”, começa por dizer ao PÚBLICO João Pedro Vaz, director da companhia de teatro Comédias do Minho, sedeada em Paredes de Coura e a actuar nos cinco concelhos do Vale do Minho (Paredes de Coura, Vila Nova de Cerveira, Valença, Monção e Melgaço). “Com o desinteresse que há dos investidores nacionais pela área cultural, não estou a ver que seja um investidor estrangeiro a vir conseguir resolver o problema”, diz o actor e encenador, temendo que os investimentos que desta medida resultem acabem por ir para os projectos já com nome no meio. “Em Portugal, o Estado não tem sido pedagógico, o que acontece é que por vezes até cria uma boa lei, como a do mecenato – e se calhar este projecto dos vistos gold também é bom no seu desenho –, mas depois são atraídos investimentos para os lugares de sempre.”

Nem o facto de Paulo Portas ter introduzido também uma alteração à lei de que investimentos em territórios de baixa densidade populacional serão privilegiados faz com que João Pedro Vale mude de ideias. “Acho difícil que um investidor estrangeiro queira investir nas Comédias do Minho, por exemplo”, defende. “Duvido que da parte do Estado digam: ‘O que era mesmo interessante era ir ali para uma zona montanhosa, uma zona rural e criar um projecto de raiz que envolva as populações, as escolas, que faça formação artística.”

“Duvido que um investidor estrangeiro consiga ver para lá daquilo que os nossos investidores principais em Portugal não viram”, continua o responsável das Comédias do Minho, argumentando ser preciso que o Estado central se abra ao país inteiro para que os vistos gold tenham sucesso. E antes de chamar os investidores estrangeiros, tem o Estado de fazer um diagnóstico ao meio. “Não é preciso fazer mais estudos, é só preciso perguntar às pessoas que estão a trabalhar no terreno. Perguntar seriamente o que é que elencam, quais são as necessidades, que projectos é que estão a desenvolver, como é que acham que o modelo devia funcionar”, diz João Pedro Vaz, acrescentando que só assim, “quando a SEC ou quem for que tenha responsabilidade sobre isso conhecer o país, é que medidas como esta poderão funcionar”. “Enquanto não houver essa visão integrada parece-me um bocadinho folclórico”, atesta.

“A experiência que tenho é que os agentes culturais são chamados à discussão quando os governos estão quase a perder as eleições. A Cultura aparece muito no fim de mandato”, vaticina João Pedro Vaz. “Tudo parece bastante provisório até se perceber qual vai ser o futuro e o desenho para a Cultura para os próximos quatro anos.” Mega Ferreira lembra exactamente o mesmo: “Estamos em fim de mandato, estamos em ano de eleições, estamos nessas coisas todas, não sei o que poderá vir a acontecer”.

Barreto Xavier não aceita as críticas: “Não me lembro de nenhuma época em que os agentes culturais não se tenham queixado de falta de apoio”. E contrapõe: “Como é que um Governo que não se interessa pela Cultura é o único Governo dos últimos 20 anos que consegue fazer a lei da cópia privada ou a nova lei do mecenato?”

Quanto aos vistos gold, é mais uma das possibilidades de investimento no sector. “Há os apoios directos, através do financiamento do Estado, e há os indirectos por via da política fiscal. O mecanismo dos vistos gold não pode ser lido como uma coisa avulsa, corresponde a um elemento de um trabalho sistemático que temos vindo a fazer para aumentar os instrumentos que garantem o aumento efectivo de financiamento à actividade cultural”, atesta Barreto Xavier.

Teresa Tamen, directora-geral do Centro Nacional de Cultura, entidade que representa em Portugal a Europa Nostra – uma associação pan-europeia de defesa do património –, lembra que os recursos actuais na área são “insuficientes”. “É prematuro dizer o que quer que seja, mas tentar é positivo”, diz, considerando fácil a atracção de investimento estrangeiro pela qualidade do património português. Mas deixa o alerta: “Qualquer tentação economicista poderá ser muito perigosa e inconveniente, pelo que caberá às instituições culturais e ao Estado a definição de prioridades e o acompanhamento e avaliação da respectiva execução”.

Esse acompanhamento será feito, garante Barreto Xavier. “O Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais faz a validação da proposta e depois faz também o controlo porque é preciso garantir durante um período de cinco anos que é efectiva a aplicação do dinheiro e o resultado que estava programado”, explica o secretário de Estado, asseverando que não acontecerá o caso de “alguém dizer que dá o dinheiro, dá-se o visto e depois não se passa nada”.

Já Mário Ferreira, o empresário portuense que ainda no ano passado abriu no Porto o parque temático World of Discoveries e comprou o cacilheiro concebido pela artista plástica Joana Vasconcelos, diz que a medida “é positiva”. “O que eu sinto da maior parte dos estrangeiros é que Portugal está neste momento com preços e oportunidades muito boas.”, afirma o presidente da Douro Azul, que aposta mais no sucesso na medida da reabilitação do património. “Há interesse estrangeiro pelos vistos gold, tem sido um sucesso. Infelizmente foram falados por razões menos positivas mas a verdade é que a procura é grande”, continua Mário Ferreira, salientando o “muito património disponível, especialmente com as aberturas que existem por parte quer do Exército, quer da Marinha, em vender unidades históricas”. “E depois há o património das câmaras. Há fortes à venda, palácios, ‘n’ edifícios que estão decadentes e não estão a ter a manutenção e até o carinho devido, se se pode atrair investidores para reabilitar esses edifícios não é positivo?”, interroga-se o empresário, explicando que “não existem neste momento portugueses suficientes para deitar mão a tanta boa oferta”.

“Um forte, um castelo ou um palácio em Portugal, não o vão levar às costas. Comprando e tratando, para mim não faz impressão absolutamente nenhuma que seja de um português, de um francês, de um inglês ou de um chinês. O importante é que esteja bem tratado”, continua. “Se for de um português e estiver a cair em ruínas, isso é que me faz muita confusão e até faz mais confusão património fantástico que temos em Portugal e que está nas mãos do próprio Estado e que também está em condições decadentes porque não existe dinheiro para a sua manutenção. Isso é que está mal.”

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