Ventríloquos, Moçambique e Boris Charmatz na rentrée do Rivoli-Campo Alegre

Alguns dos espectáculos que vamos poder ver no Teatro Municipal do Porto, de Setembro a Dezembro.

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Uma peça polifónica, ou mesmo esquizofrénica: A Convenção dos Ventríloquos, da marionetista Gisele Vienne FOTO: FALK WENZEL

Há um paraíso no planeta para os ventríloquos – Vent Haven, no Kentucky – e a francesa Gisele Vienne, que há dois anos visitou a grande convenção mundial que ali decorre anualmente desde 1975, quis reproduzi-lo em cima de um palco, com nove marionetistas e as suas respectivas marionetas de colo a sondarem essa estranha forma de vida e de morte (Vent Haven é também o cemitério onde centenas de fantoches que deixaram se se apresentar em público, normalmente após o falecimento dos seus proprietários, estão em exposição). A Convenção dos Ventríloquos, o espectáculo que criou a partir dessa singular visão, encena o ventriloquismo como uma forma especialmente poética – e especialmente polifónica – de esquizofrenia, com os nove intérpretes desmultiplicados em 27 vozes. Um “labirinto psicológico”, diz Vienne, que com ele encerrará no Rivoli, a 22 de Outubro, a próxima edição do Festival Internacional de Marionetas do Porto (já tinha sido visita em 2011, com showroomdummies); logo a seguir, debaixo do palco, concerto de Peter Rehberg, o aventureiro da electrónica que a marionetista francesa convidou para orquestrar o espectáculo, em mais um noite da editora Matéria Prima para o ciclo Understage.  

Tal como os ventríloquos de Vienne, também o país que a mala voadora inventará no Rivoli tem um fundo de verdade, mas só um fundo. Moçambique, o espectáculo com que o Teatro Municipal do Porto (TMP) faz a sua rentrée a 16 e 17 de Setembro (e que depois seguirá para o Maria Matos, em Lisboa, e para o Teatro Viriato, em Viseu), é a vida que Jorge Andrade, actor, encenador e fundador da companhia, podia ter tido se aos quatro anos não tivesse deixado para sempre o país onde nasceu – e também a vida ficcionada, alternativa, que Moçambique podia ter tido com ele. Uma semana depois, o primeiro dos destaques da programação internacional de dança que tem sido uma das marcas do TMP de Tiago Guedes: Gold, de Emanuel Gat. Construído a partir das Variações Goldberg de Bach tal como Glenn Gould as gravou meses antes de morrer e de The Quiet in The Land, o documentário radiofónico com que o mesmo Gould retratou em 1977 a comunidade menonita de Red River, no Norte do Canadá, o espectáculo demonstra até que ponto o coreógrafo israelita se tornou “perito em peças de grupo”, sublinha o director do TMP, que neste trimestre também apresentará à cidade a coreógrafa belga Lisbeth Gruwez, intéprete-fétiche de Jan Fabre. AH/HA (25 de Novembro) é mais uma investida de Gruwez na sua pesquisa sobre “o corpo em êxtase”: uma peça sobre a “festa perigosa” que pode ser o riso colectivo, e desejosa de uma “relação directa” com o público.

Zululuzu, o espectáculo “sul-africano” do Teatro Praga, “sobre” (as aspas, nossas, são intencionais) os anos de Fernando Pessoa em Durban, é outro dos acontecimentos na agenda do Rivoli para o último trimestre (chega a 30 de Setembro, depois da estreia nacional no São Luiz). E para sublinhar que o TMP continua em crescendo haverá mais um: Boris Charmatz, figura particularmente fulgurante da dança francesa, apresentará no terceiro andar do Palácio dos Correios, a 7 de Dezembro, a peça de género indeterminado (coreografia, instalação, objecto sonoro…) que criou para a Ruhrtriennale em 2014 e entretanto apresentou no Turbine Hall da Tate Modern. Chama-se Manger, e por várias boas razões: “A dança está no estômago. A dança está no palato. A dança está nos dentes. A dança está na língua.” 

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