Vendidas duas obras de Andy Warhol por 121 milhões de euros para abater uma dívida à banca

Banco alemão vende obras valiosas para abater dívida deixada por uma cadeia falida de casinos pertencente ao grupo.

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As duas obras expostas no momento do leilão AFP

É uma história com contornos idênticos aos da colecção Miró, na posse do Estado português desde a nacionalização do BPN. A diferença é que, aqui, as duas obras de Andy Warhol que pertenciam à falida cadeia de casinos alemã Westspiel, subsidiária do NRW Bank, o banco público do Estado Renânia do Norte Vestefália, foram vendidas.

O leilão aconteceu nesta quarta-feira na Christie’s de Nova Iorque e rendeu ao banco 121,6 milhões de euros numa noite histórica para a leiloeira ao somar no total 852,9 milhões de dólares (682,9 milhões de euros). A decisão gerou polémica, o que levou o banco a retirar da praça duas obras do pintor alemão Sigmar Polke.

Triple Elvis e Four Marlons, retratos do músico Elvis Presley e do actor Marlon Brando, respectivamente, foram as obras que se destacaram no leilão, que registou ainda recordes de venda para o artista norte-americano Cy Twombly e para o holandês Willem de Kooning.

Triple Elvis, uma das 22 obras da série que Andy Warhol fez em 1963 dedicada a Elvis Presley, de arma na mão e em pose de cowboy, acabou arrematado ao fim de seis minutos por 81,9 milhões de dólares (65,7 milhões de euros). Sabe-se apenas que a oferta vencedora chegou da Europa, por telefone, mas desconhece-se, como é habitual nestes casos, o nome do comprador. Uma venda acima das estimativas da leiloeira que apontavam para os 60 milhões de dólares (48 milhões de euros).

Four Marlons, uma serigrafia onde vemos Marlon Brando numa moto (imagem do filme O Selvagem), à semelhança de Triple Elvis feita em 1966, foi comprada por 69,6 milhões de dólares (55,9 milhões de euros), um valor acima dos mesmos 60 milhões de dólares esperados.

No total, esta venda, que contou com a autorização do governo regional, rendeu ao banco público alemão 121,6 milhões de euros, montante que servirá para abater a dívida da cadeia de casinos que entrou em falência. E nem o pedido de vários responsáveis da Cultura, entre os quais muitos directores de museus e galerias, convenceu Norbert Walter-Borjans, ministro das Finanças do estado Renânia do Norte Vestefália e membro do conselho de administração do NRW Bank, a mudar a decisão. Walter-Borjans defendeu sempre que a venda era o passo correcto.

Um precedente
No entanto, numa carta aberta enviada ao governo assinada por 26 directores de museus e galerias, torna-se visível o receio de que esta venda venha a abrir um precedente de alienação de património que deveria ser de acesso público. Em causa, alegam, está a reputação da Alemanha, e deste estado em específico, como uma “nação cultural”. O governo devia proteger estas obras de grande valor e não vendê-las, defendem.

A governadora do estado da Renânia do Norte-Vestefália, Hannelore Kraft, garante nada poder fazer para evitar a venda das peças, uma vez que estas não estão abrangidas pela lei alemã da protecção do património – o equivalente à portuguesa Lei de Bases do Património Cultural. Citada pelo site especializado Artnet, Kraft diz que adquirir estas duas serigrafias, que até 2009 estavam expostas numa das paredes do casino Westspiel em Aachen (perto da fronteira com a Bélgica e com a Holanda), também não é opção.

Com a venda, a cadeia de casinos Westspiel esperava arrecadar 100 milhões de euros, dos quais 80 milhões se destinam ao saneamento da empresa e à devolução de créditos ao banco.

A venda de Triple Elvis e Four Marlons não foi impedida, mas a controvérsia gerada à sua volta levou à retirada do leilão de duas obras de Sigmar Polke (Hüter der Schwelle e Primavera, ambas de 2003), escreve o Artnet, citando a revista alemã Monopol. Segundo esta publicação, a decisão foi tomada para se evitar uma onda maior de críticas.

O banco, por seu lado, defende-se argumentando que só decidiu vender as obras depois de não ter encontrado museus interessados ou com condições para as receber. Há, no entanto, directores que garantem nunca terem sido contactados, acrescentando que o NRW Bank queria era vender as obras e depressa.

Com as devidas distâncias, este caso é semelhante ao que envolve as 85 obras do artista catalão Joan Miró que o Governo português quer vender. Assim que o leilão desta colecção foi anunciado foram várias as vozes de protesto contra a venda, num processo que se arrasta há quase um ano. Desde então foram já marcados dois leilões do acervo que pertencia ao nacionalizado BPN, que acabaram por ser cancelados. Neste momento, espera-se que corram os processos jurídicos levados a tribunal para impedir a venda para que um novo leilão possa ser agendado.

Apesar da polémica, o responsável da Christie’s em Nova Iorque, Stephen Murphy¸ fez à BBC um balanço positivo da noite. “O leilão foi um momento na história da arte”, defendeu, destacando que das 80 peças levadas à praça só duas ficaram por vender.

Destaque para Clamdigger, a estátua feita por Willem de Kooning em 1972 e que até agora estava no seu estúdio em Long Island, nos Estado Unidos, vendida por 29,2 milhões de dólares (23,4 milhões de euros), o que representa um recorde para o artista que morreu em 1997.

Outro recorde estabelecido foi para uma pintura sem título de Cy Twombly, arrematada por 69,9 milhões de dólares (50 milhões de euros). 

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