Projecto de venda das obras de Miró começou ainda no Governo anterior

Teixeira dos Santos e Gabriela Canavilhas dizem que desconheciam manobras do BPN e a anterior ministra garante que nunca autorizaria a venda.

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No momento em que a venda foi anulada, as obras foram retiradas de vista e guardadas Suzanne Plunkett/Reuters

As negociações da venda das 85 obras de Joan Miró terão começado ainda em 2008, durante o anterior Governo. Porém, tanto o ex-ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, como a ex-ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, negam responsabilidades no processo, apesar de terem visões diferentes.

O semanário Expresso avança neste sábado que há um e-mail em 2008, um mês após a nacionalização do banco, trocado entre os responsáveis da Caixa Geral de Depósitos nomeados para o BPN e as duas maiores leiloeiras internacionais, a Christie’s e a Sotheby’s, para negociar a venda das obras de Miró e que foram herdadas pelo Estado aquando da nacionalização do banco.

Este foi, aliás, um dos argumentos mais repetidos esta semana pelo secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, que acusa o Partido Socialista e mais especificamente Gabriela Canavilhas, ministra da Cultura do Governo de Sócrates, de nada ter feito em relação a esta colecção quando ainda estava no poder. "De 2008 a esta parte, teria sido possível em qualquer momento às autoridades competentes pelo património avançar oficiosamente com o procedimento de inventariação e isso não aconteceu", disse Barreto Xavier aos jornalistas na terça-feira, dia em que o leilão foi cancelado. Ao PÚBLICO, o secretário de Estado lembrou ainda o investimento que anterior Governo fez na construção do novo Museu Nacional dos Coches, orçado em 35 milhões de euros (o valor que o Estado esperaria arrecadar com a venda das 85 obras de Joan Miró).

Contudo, ao semanário, Teixeira dos Santos disse que a venda “estaria no âmbito das competências normais da administração” do banco e garantiu que nunca foi colocada qualquer questão sobre o tema ao seu ministério, defendendo que o banco tinha autonomia nesta matéria.

Questionado esta manhã, à entrada para o debate Consolidação Orçamental e Crescimento Económico, promovido pela Distrital PS Porto, Teixeira dos Santos garantiu que enquanto Ministro das Finanças nunca este tema foi debatido. “Nunca dei qualquer orientação. Ou eu, ou que eu saiba qualquer outro membro do Governo ou do Ministério, deu qualquer orientação de venda. Nem sequer fomos interpelados no sentido de nos pronunciarmos num cenário de venda. Nem fomos interpelados no sentido de dizer se deviam ser vendidos ou não”, disse, citado pela Lusa, explicando que a “a própria Caixa Geral de Depósitos poderia aceitar os quadros como dação em pagamento da dívida ou do peso da dívida existente”. “. Creio que nem se deram ao trabalho de ver qual era o interesse artístico e económico da colecção", acrescentou o ex-ministro das Finanças.

Também Gabriela Canavilhas assegurou que não estava a par dos projectos do BPN, mas considerou que quando o tema chegasse ao Governo não receberia luz-verde, defendendo que a última palavra nunca poderia ser do banco. “Os gestores podem ter tido todos esses contactos e decidido vender a colecção, mas a tutela não o decidiu”, disse a actual deputada socialista, então ministra da Cultura, reiterando que a decisão nunca seria validada quando chegasse à sua tutela.

O processo ainda demorou e o avanço para a venda acabou por só conhecer mais pormenores em 2011, já depois das legislativas antecipadas em que Passos Coelho foi eleito primeiro-ministro. O Expresso refere um e-mail dessa altura em que o administrador do BPN José Lourenço Soares diz à Christies’s que perante as condições da leiloeira “vai ser possível, em breve, ser tomada uma decisão definitiva, tendo, naturalmente em conta outras propostas existentes”.

O responsável pede também esclarecimentos sobre condições do contrato, como a comissão da venda das obras. A Christies’s chega mesmo a propor uma data para o leilão. Os contactos com a leiloeira terão começado ainda com Miguel Cadilhe, em 2007, antes da nacionalização do BPN. Foi nesta altura também, que Cadilhe e Joe Berardo falaram sobre a possibilidade de o comendador comprar a colecção. Joe Berardo aliás estaria agora registado para o leilão desta semana, que não aconteceu, tendo demonstrado interesse em comprar algumas das 85 peças, que poderiam integrar o Museu Colecção Berardo, em Lisboa. A integração da colecção no seu museu já tinha sido proposta até do director Pedro Lapa, que à Direcção Geral do Património Cultural (DGPC) tinha dado o parecer positivo à manutenção das obras em Portugal.

Obras nunca expostas em Portugal

Neste momento a Christie’s continua com a colecção na sua posse, depois de ter cancelado o leilão. Contudo, a Parvolorem (sociedade criada no âmbito do Ministério das Finanças para recuperar créditos do BPN e assim proprietária das obras) aguarda ainda um contacto formal da leiloeira para se poder dar início a um novo processo de alienação.

A possibilidade de as obras ficarem em Portugal não está a ser estudada, não se sabendo mesmo se o Governo está a pensar organizar uma exposição com esta colecção, antes de a levar à praça novamente. Estas 85 obras que percorrem a vida do catão Joan Miró nunca foram expostas em Portugal apesar da vontade demonstrada de Pedro Lapa, quando ainda era director do Museu do Chiado, e até mesmo de Álvaro Covões, antes de organizar a grande exposição de Joana Vasconcelos no Palácio da Ajuda. Ao PÚBLICO, o promotor da Everything is News explicou em Janeiro que a oportunidade de realizar a exposição de Joana Vasconcelos só surgiu porque este se dirigiu ao então secretário de Estado da Cultura Francisco José Viegas a propor uma exposição com a colecção Miró. Viegas pediu-lhe ajuda para realizar a exposição da artista portuguesa e as 85 obras de Miró tiveram de esperar. O promotor continua, no entanto, disponível para pensar e organizar essa exposição.

Na quarta-feira, o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho garantiu que a decisão está tomada e que a venda desta colecção é a única possibilidade para este Governo, desejando que esta aconteça “num curto-prazo”. A manutenção destas obras em Portugal não é nem será uma hipótese, disse. A menos que o tribunal impeça a sua venda, uma vez que correm ainda duas providências cautelares no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TACL).

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