Vamos skypar com Assange

Vídeoconferência com o fundador da WikiLeaks e filme sobre Edward Snowden são algumas das propostas de um simpósio do Lisbon & Estoril Film Festival sobre vigilância de massas.

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Julian Assange numa conferência em Londres, em 2011 Luke MacGregor/ Reuters

O que perguntariam a um homem que vive há mais de dois anos sem ver o sol, blindado do mundo? Um homem que o governo americano considera um “terrorista”? Um homem que foi eleito Figura do Ano 2010 pelos leitores da revista Time? Um homem que tornou públicos milhares de documentos confidenciais diplomáticos e militares que embaraçaram os Estados Unidos?

Vai mesmo ser possível fazer perguntas a Julian Assange, o problema será por onde começar. O fundador da WikiLeaks vai estar disponível por videoconferência durante uma hora para responder a perguntas do público que este domingo de manhã (10h) rumar ao Centro de Congressos do Estoril.

O encontro com Assange encerra o simpósio Ficção e Realidade: Para Além do Big Brother, uma “proposta de reflexão e discussão” programada pelo Lisbon & Estoril Film Festival, que inclui ainda a participação de Noam Chomsky, do juiz Baltasar Garzón (advogado de Assange), ou a projecção do filme sobre Edward Snowden, Citizenfour, de Laura Poitras (que ainda não está comprado para exibição comercial em Portugal), entre outros.

“Sempre houve uma preocupação de que o festival fosse mais do que uma mostra de filmes”, justifica o produtor Paulo Branco. “Também tem de estar atento ao que se passa na sociedade, a alguns aspectos que mudam a vida dos cidadãos. Pensámos que era interessante abordar a questão da vigilância de massas e dos limites entre o que é público e o que é privado.”

Para além de um ciclo de filmes, que tem estado a decorrer desde o segundo dia do festival, e que lembram como “o cinema é premonitório em relação a muitas situações que depois se tornaram realidade” (Relatório Minoritário, Blow Out de Brian De Palma, Bourne Identity, Os Três Dias do Condor...), o simpósio inclui quatro sessões de debate, a primeira das quais tem lugar esta sexta-feira, às 15h, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, com a projecção de uma entrevista ao filósofo e activista político americano Noam Chomsky conduzida por Paulo Branco e o seu filho Juan Branco no M.I.T., em Boston, há cerca de um mês.

O simpósio foi elaborado por Juan Branco, em colaboração com La Quadrature du Net, organização francesa que defende uma Internet “livre e aberta”. Juan Branco, 25 anos, está a fazer o doutoramento em Direito em Paris e é um dos assessores jurídicos de Baltazar Garzón na defesa de Julian Assange. Aliás, Juan Branco conhece Assange e entrevistou-o recentemente na embaixada do Equador em Londres, onde o fundador da WikiLeaks se encontra refugiado, para um artigo de seis páginas no Nouvel Observateur que não deixa dúvidas quanto à sua simpatia pela figura – o autor descreve Assange como “um herói dostoievskiano capturado por um mundo balzaquiano”.

Assange, diz, “é um revolucionário”. Ele quer mudar o mundo, dinamitar o actual sistema político, que se tornou anacrónico face às transformações trazidas pela tecnologia. O Estado, com as suas leis e tentativas de controlo da Internet, e os cidadãos (ou, pelo menos, os hackers) que exigem o livre acesso e circulação de conhecimento e cultura, são dois comboios a avançar rapidamente um para o outro. Um mundo antigo contra um mundo novo – e ainda só estamos no princípio, diz Juan Branco. “Essas rupturas vão crescer”, antecipa.

O pai, Paulo Branco, lembra que a sua geração ficou “escandalizada” ao ler 1984 de George Orwell e “pensar que aquilo que o livro anunciava podia ser possível”. Mas hoje “há uma passividade e uma indiferença em relação a tudo o que se passa”, nota o produtor. “Sabemos que toda a população está sob escuta e não é isso que provoca qualquer sentimento de revolta. As pessoas tendem a aceitar que a privacidade já não existe, muitas vezes são os próprios cidadãos que acabam com a barreira entre o que é público e o que é privado.”

Não é uma questão fácil de resolver. Abandonar o Google, o Facebook, o iPhone? “Temos uma dependência muito forte da tecnologia”, reconhece Juan Branco. “Para a minha geração, toda a sua vida a partir dos 13, 14 anos está na Internet, no Google e no Gmail. A Google está a acumular tanto poder que é perigoso – tem conhecimento de tudo. É muito difícil ter consciência disso e do controlo de que estamos a abdicar. As escutas da NSA não têm uma corporalidade, não se vêem. É como se fosse uma ficção. Daí não estarmos muito preocupados”, explica. Por isso, apesar de estar a trabalhar para ajudar Assange a sair do seu exílio forçado, admite que, “paradoxalmente, é quase bom” figuras como Assange e Snowden estarem a ser “perseguidas”, porque “mostra que há um problema”.

O programa completo do simpósio pode ser consultado em http://www.leffest.com/pt/eventos/ficcao-e-realidade-para-alem-do-big-brother.

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