Uma vida inteira

No quarto filme da cineasta francesa Mia Hansen-Løve, a música não passa de um simples pano de fundo para um tocante retrato de toda uma geração.

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Éden faz um retrato de família das ambições e sonhos que temos aos 20 anos, e acompanha o modo como a vida real se encarrega de os alterar ao longo dos anos DR

No seu quarto filme, a francesa Mia Hansen-Løve abalança-se a um retrato de geração, ambientado na cena da música de dança parisiense que conquistou o mundo durante a década de 1990 e inspirado pela experiência do seu próprio irmão Sven Love enquanto DJ presente no “big bang” que lhe deu origem.

No papel, parece algo de interesse relativamente restrito; mas as discotecas, as noites longas, os clubes nocturnos são apenas um pano de fundo frente ao qual a realizadora vai contando a história da sua geração – que em nada difere das outras gerações que vieram antes.

Através de Paul (Félix de Givry), que abandona os estudos de literatura para se “perder na música” e tornar-se um dos DJ’s mais procurados da cena parisiense, Éden faz um retrato de família das ambições e sonhos que temos aos 20 anos, e acompanha o modo como a vida real se encarrega de os alterar ao longo dos anos. As amizades, as paixões, as crenças vão sendo confrontadas com o tempo que passa e o tempo que muda, e o filme é a história desse confronto, sem julgar uns nem defender outros. Paul, tal como o seu colega de gira-discos Stan, tal como as namoradas que se sucedem na sua vida ao longo de 20 anos, tal como os amigos Arnaud e Cyril, é alguém que “vive o sonho”, que segue as suas paixões, que tenta torná-las numa realidade e delas fazer uma vida, uma carreira. Mas o que resta quando o sonho – como todos os sonhos – acaba?

Há em Éden uma dimensão romanesca, de saga social ou familiar, que não seria forçosamente de esperar quando os filmes anteriores de Mia Hansen-Løve tinham uma escala muito mais intimista. Mas, de certo modo, o novo filme é a sequência perfeita dos anteriores O Pai das Minhas Filhas (2009) e Um Amor de Juventude (2011), porque essa progressão de uma história “individual” para uma história “colectiva” mantém-se sempre ancorada nas vivências pessoais das suas personagens, como um mosaico de momentos que só vistos em conjunto, à distância, ganham todo o sentido. É também por isso que o impacto emocional de Éden apenas se vai revelando gradualmente, à medida que os anos passam e a vida se encarrega de levar estas personagens por caminhos diferentes, e apenas atinge o ponto máximo pelo final do filme. No papel, parece não se ter passado grande coisa; apenas 20 anos na vida de uma mão-cheia de amigos. No écrã, passou-se tudo o que faz uma vida – e confirma-se Mia Hansen-Løve como uma cineasta também ela em crescendo, a ganhar em segurança e ambição com cada novo filme. A comparação mais próxima que conseguimos é com Olivier Assayas e com o seu Depois de Maio (2011), também ele um filme sobre o “depois do sonho”, mas Hansen-Løve evita de justeza a fetichização nostálgica que muitas vezes deita a perder os filmes de geração e não olha para o passado com óculos cor-de-rosa. Éden é melhor que Um Amor de Juventude que já de si era melhor que O Pai das Minhas Filhas – e é, para grande surpresa nossa, um dos filmes do ano.

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