Uma outra Suécia

Uma curiosidade histórica: o sexo explícito dos filmes de Vilgot Sjöman.

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Reposição de dois filmes feitos no final dos anos 60, que em Portugal apenas se estrearam depois de 1974, na vaga libertária que se seguiu ao 25 de Abril.

Se a imagem dominante que se tem hoje do cinema sueco é a exalada pelos filmes de Ingmar Bergman, Sou Curiosa e Continuo a Ser Curiosa são um bocadinho o seu reverso, ou a sua caricatura. Apesar de terem entrado para a história como expressões típicas do que são “filmes infames” (tal a rejeição crítica quase unânime que suscitaram) foram também consideráveis sucessos de público, e ainda hoje os filmes por que Vilgot Sjöman (1924-2006) é mais lembrado — não é para menos, em 1967 e 1968 (anos de estreia de cada um deles), apesar de todas as “conquistas” figurativas no que toca a retratos explícitos de actos sexuais e nudez, não era nada frequente encontrar-se filmes “não-porno” que mostrassem tanto sexo e tanta nudez de forma tão explícita.

Nem um nem outro (que são o quase o mesmo filme, o segundo tendo sido construído com base em material não incluído na montagem final do primeiro) continuam a ser especialmente bons, antes pelo contrário, mas o tempo atribuiu-lhes uma “patine” com um certo interesse, também pelo modo como contiveram o seu próprio tempo. Acabam por ser um testemunho da agitação social que, também na tão sóbria Suécia, o final dos anos 60 suscitou, e mais, muito mais, do que as aventuras sexuais (reais ou oníricas) da “curiosa” protagonista (Lena Nyman, que ficou para sempre “presa” a estes filmes), o que vale a pena ver são os apontamentos que resistem enquanto “documento”, as cenas de rua com manifestações (contra a Guerra do Vietname, por exemplo), as entrevistas feitas a transeuntes, sejam elas verdadeiramente impromptu ou preparadas, a mescla caótica do que nasce duma intenção documental e duma sobrecarga simbólica, refira-se ela à política (a efígie de Franco no quarto da protagonista) ou à “independência” sexual feminina. Ou, liminarmente, ao cinema, usando e abusando Sjöman da “denúncia da representação”, ou pela menos da denúncia do aparato cinematográfico, ao construir os filmes como “filmes dentro do filme”, como uma caricatura involuntária (?) de certas coisas da Nouvelle Vague, de que estes filmes são, de alguma forma, filhos bastardos. Guerra fria, luta de classes, Martin Luther King e sexo explícito — tudo no mesmo filme continua a ser um bocado indigesto. A descobrir ou redescobrir, portanto, enquanto curiosidade histórica, mas não muito mais do que isso.

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