As confissões de Banks

Precedido pelo ruído provocado pelas expectativas amplificadas, eis o álbum de estreia da americana Banks, Goddess. Não é um clássico, é apenas pop electrónica nocturna e narcótica.

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A música de Banks é confessional, marcada por letras que expressam corações destroçados. É mais sensual do que a de Lorde e menos aventureira do que a de FKA Twigs

Não gosta de redes sociais. Às tantas começou a ser criticada por alguns admiradores por não interagir com eles na Internet. E resolveu escrever uma espécie de pequeno manifesto que culminava com ela a afirmar que preferia a comunicação cara-a-cara, deixando o seu número de telefone pessoal na Internet, caso algum fã a quisesse contactar de forma directa.

A americana Jilian Banks, 25 anos, parece ser assim, determinada e sem subterfúgios. Ou então, é assim que deseja ser vista, porque no terreno pop onde se movimenta não basta ser. O parecer também conta. Ainda por cima, num curto espaço de tempo, transformou-se na próxima cantora de quem iríamos ouvir falar, o que é quase sempre um terreno minado.

Claro, beneficia do falatório à sua volta. Mas os anticorpos que se erguem em seu redor e as provas que tem de passar também são mais exigentes. Que o digam quase todas as cantoras surgidas nos últimos anos com o carimbo na testa de produto pré-fabricado, de Lana Del Rey a Lorde. Na pop, principalmente quando se é mulher, ainda é quase sempre assim.

Ela está avisada e tenta precaver-se, dizendo em todas as entrevistas que é autêntica – seja lá o que isso for. Mas as barricadas artificiais, seja para a defenderem ou para a criticarem, já se ergueram. Talvez tenha que ser assim. O que fazer? “Encolher os ombros e continuar o meu caminho”, diz ela, sabiamente.

Era previsível que assim fosse. A sua carreira foi engendrada em tempo recorde. Colocou uns temas na plataforma SoundCloud em 2013. Pouco depois valeu-se dos contactos da amiga e actriz Lily Collins (filha de Phil Collins) para a introduzir no negócio da música, mas foi quando começou a trabalhar com Lil Silva, Jamie Woon, Shlohmo, Sohn e Totally Enormous Extinct Dinousaurs, ou seja uma plêiade de músicos e produtores bem sucedidos, que suscitou a curiosidade dos caçadores de novidades.

O primeiro sinal aconteceu o ano passado com uma contribuição vocal para Work do inglês Lil Silva. Pouco depois surgiu com as sensuais Before I ever met you e Fall over. Se ainda existissem dúvidas sobre o seu talento, esta Primavera lançou a suave Warm water, produzida por Totally Enormous Extinct Dinousaurs. Em Julho do ano passado pisou um palco pela primeira vez e em Novembro estava a fazer as primeiras partes do misterioso The Weeknd, com quem foi comparada nessa fase inicial.

Zona de conforto

Agora apresenta-se com o álbum de estreia e, como acontece quando as expectativas são demasiado altas, discute-se se estará ou não capacitada para defender uma mão-cheia de canções que parecem ter sido concebidas para trespassar barreiras, alojando-se nos ouvidos do grande público.

Uma coisa é certa: apesar da multiplicidade de intervenientes que a ajudaram a conceber a música, trata-se de uma obra homogénea sonoramente. Ironicamente, essa é até capaz de ser a principal fragilidade do seu disco, demasiado preocupado em centrar-se na sua voz, acabando por musicalmente expor alguma repetição. É, aliás, quando sai da zona de conforto electrónica que acaba por sobressair mais. Acontece em baladas como You should know where I’m coming from ou Someone new.   

A sua voz é elegante – o timbre faz lembrar o de Fiona Apple, embora esta possua outra expressividade emocional – e a música é uma pop electrónica nocturna e narcótica, de contornos confessionais, marcada por letras que expressam corações destroçados. É mais sensual do que a de Lorde, mas com propósitos comerciais mais evidentes e menos aventureira do que a de FKA Twigs, para aludirmos a dois nomes com quem por vezes é conotada.

Na maior parte dos artigos da imprensa é incluída na nova vaga do R&B. O que só por si já é um equívoco. No caso de FKA Twigs, as dificuldades em categorizar a sua música são evidentes, daí que se recorra à cor da sua pele para a tentar enquadrar, diga-se, sem qualquer sentido no R&B. E o mesmo se poderia dizer de Kelela. Agora é Banks a ser lançada para dentro deste caldeirão artificial. E ela recusa, como seria expectável.

“O que a maior parte qualifica como R&B, para mim, é apenas soul. Gosto de honestidade, de soul e de batidas que fazem com que respiremos um pouco mais depressa”, limita-se a afirmar acerca da sua sonoridade. “Cresci a ouvir cantoras como Lauryn Hill, gente com alma, com voz própria, com um ponto de vista acerca da vida.”

É uma espécie de soul-pop tecnológica aquilo que tem para oferecer, envolvida por ambientes lânguidos, ritmos entorpecedores em câmara lenta e revestimentos electrónicos luxuriantes, numa expressão intimista construída a partir de uma sonoridade pop aveludada.  

Outro aspecto que gosta de salientar nas entrevistas é o facto de considerar a sua música cinematográfica. “Gosto dessa ideia da música poder ser catalisadora de imagens, funcionando como sugestão”, diz.  

Ao que parece começou a criar música como catarse, num contexto familiar complexo, mas raramente exterioriza irritação, optando por criar canções recolhidas sobre si próprias, com qualquer coisa de melancólico. 

Durante anos manteve essas canções trancadas na mesa-de-cabeceira, até que um dia sentiu necessidade de mostrar esses esboços. Agora aí está com o seu álbum de estreia, aproveitando uma conjuntura onde James Blake, How To Dress Well, Autre Ne Veut e tantos outros artesãos electrónicos, se inspiram na intemporalidade da soul para a tingirem com cores pop minimalistas, impondo uma nova forma de dançar, de olhos fechados, com movimentos lentos, procurando o corpo do parceiro.

Mais do que escrever novos parágrafos da cultura pop actual, Jillian Banks contenta-se em estar presente nessas movimentações. O seu disco não fará história, mas também não é o tropeção que se poderia profetizar. É um disco de uma cantora que encontrou a sua voz nos primeiros EPs e que agora recria os princípios estabelecidos inicialmente.

As canções não fazem dela nenhuma deusa, ao contrário do que o título do álbum alude, mas acabam por expô-la, com fragilidades e potencialidades, capaz de se situar próxima do ouvinte, o que é bem mais relevante.

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