Uma colecção de pratos “única” e “global” muda de casa por uns tempos

São de porcelana azul e branca chinesa, muitos com 500 anos, que os portugueses começaram a trazer por mar do Oriente mal abriram a Rota do Cabo. Pertencem à colecção da embaixada de França e parte dela vai agora ser exposta no Museu de Arte Antiga. Saíram de casa pela primeira vez.

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A colecção quando estava ainda instalada na sala das porcelanas do Palácio de Santos Dário Cruz

De Fevereiro a Maio, 58 dos 263 pratos que formam a singular colecção de cerâmica da China do Palácio de Santos, antiga residência real e actual embaixada de França, vão sair de casa pela primeira vez. Destino? O Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), em Lisboa, que com eles organizará a exposição Azul sobre Ouro. A Sala das Porcelanas do Palácio de Santos, que ocupará o torreão onde recentemente estiveram instaladas as jóias de Goa de Esplendores do Oriente.

Escolher “apenas” 58 exemplares deste acervo que desde a segunda metade do século XVII (as obras estruturais no palácio decorrem entre 1667 e 1687) tem uma insólita montagem numa das salas do riquíssimo edifício — um tecto piramidal em talha dourada que se transforma em poço quando reflectido no tampo espelhado da mesa desenhada por Hubert Le Gall, onde o antigo embaixador Pascal Teixeira da Silva gostava de almoçar quando tinha visitas — foi uma tarefa “difícil”.

Rui Trindade, conservador das colecções de cerâmica do MNAA, assegura que a ideia principal é a de fazer uma viagem cronológica pela cerâmica chinesa, em especial a da dinastia Ming (1368-1644), explorando a sua relação com a expansão portuguesa e com a primeira globalização deste tipo de peças.

“Trata-se de uma colecção única no mundo, sobretudo azul e branca, e que nos ajuda também a contar um pouco da história dos Descobrimentos”, explica ao PÚBLICO numa breve conversa telefónica. Única pela sua diversidade — a exposição vai mostrar essencialmente peças do início do século XVI, embora chegue ao XVIII, com pratos introduzidos muito tardiamente —, a colecção reunida pelos Lancastres, que durante gerações foram os donos deste palácio que tem uma soberba vista sobre o Tejo e em cujo jardim, diz a tradição, D. Sebastião terá tomado a sua última refeição antes de partir para Alcácer Quibir, está ainda pouco estudada.

A investigação mais completa data dos anos 1980 (a de Daisy Lion-Goldschimdt), a primeira vez que os pratos deixaram a sua instalação dourada, “mas há ainda muito a fazer”. Trindade, para quem é um privilégio poder pegar nestas peças e olhá-las de perto, garante que o MNAA pretende documentar o melhor possível cada um dos pratos que a embaixada lhe vai ceder temporariamente. “Para estudar a cerâmica é mesmo preciso agarrar nas peças.” A montagem que têm no palácio, lembra, é muito cenográfica, mas obriga-nos a olhar de longe para algo que deveríamos ter à distância da mão. “Nós escolhemos com os pratos ainda presos ao tecto, o que foi como trabalhar com telescópio.”

Distribuição global
Com a Rota do Cabo assegurou-se, no início do século XVI, uma ligação por mar do Mediterrâneo ao Índico em que mandavam os portugueses. Lisboa torna-se, por isso, o principal fornecedor de cerâmica da China à Europa, à África e à América, explica o conservador. “Os pratos que aqui temos são exemplares da primeira loiça com uma distribuição global.” Acrescenta Rui Trindade que há ainda a possibilidade de esta produção chinesa ter servido de modelo à faiança azul e branca que, “está documentado”, se produz em Lisboa desde 1572. Uma hipótese que este especialista gostaria de vir a aprofundar.

A limpeza do acervo que já está no MNAA é uma “operação delicada” e termina sexta-feira.

Esta parceria entre o MNAA e a embaixada — este palácio de alto valor patrimonial é propriedade do Estado francês há mais de um século — tornou-se possível porque a sala em que habitualmente se encontra este acervo está a ser restaurada. Para que a intervenção pudesse ser feita foi necessário retirá-lo, algo que acontece agora pela terceira vez em quase 330 anos.

A exposição abre a 27 de Fevereiro e termina a 24 de Maio.

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