Um novo fôlego no São Carlos?

Três grandes obras e um violoncelista superstar marcaram o início da temporada do São Carlos.

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Joana Carneiro Daniel Rocha

Começou bem a temporada ali para os lados do Teatro de São Carlos.

 Um violoncelista superstar encantou uma sala cheia, interpretando o concerto para violoncelo de Dvorák, que lhe assenta que nem uma luva. Johannes Moser, de seu nome, lança o arco com grande estilo (ai, ai, e se ele fere o primeiro violino?) e conquista a plateia tocando impecavelmente o concerto - afinação, ímpeto, brilho e virtuosismo -, terminando com aquela magnífica respiração em diminuendo antes do final espampanante da orquestra.

Muito aplaudido, Johannes Moser volta com os seus 35 anos de idade e anuncia que vai tocar a Sarabande da primeira Suite para violoncelo de Bach. Ouve-se um bruá. Mas que trará ele de novo a coisa tão tocada? Fá-lo em estilo anti-Rostropovitch, isto é, tudo muito lento e em pianissimo, quase flautado, agarrando o público pelo efeito de contraste com o ultra-romantismo bem “à corda” do concerto anterior. Moser tem dupla nacionalidade (alemã e canadiana), e disse em palco estar apaixonado por Lisboa. Talvez fique com tripla...

Mas às vezes o mais impecável, o mais seguro, não é o mais interessante de um concerto. Depois do intervalo ouviu-se talvez a mais emocionante peça da noite, o poema sinfónico Antero de Quental, de Luís de Freitas Branco, numa muito boa leitura de Joana Carneiro e da Orquestra Sinfónica Portuguesa. Sim, as cordas podiam ter mais corpo e os sopros podiam ser mais rigorosos, mas passou o essencial deste poema musical do jovem Freitas Branco (que à data da estreia em 1908 ainda não tinha 18 anos). E o essencial é uma poética orquestral: expressão condensada interrogando o infinito e, no mesmo passo, interrogando o interior do ser humano – porque o homem, como escrevia Antero, “vive e agita-se incessante”. A música do compositor português tem o “pulmão possante” do poeta, tem a paixão ardente da liberdade, tem as “chamas que crepitam” e as iluminações nocturnas de Antero. Tudo isto feito orquestra por um jovem de 17 anos.

A terceira parte do concerto trouxe ao palco o coro do Teatro Nacional de São Carlos que se mostrou pronto para a temporada que aí vem. Não é preciso sublinhar muito as atrapalhações dos sopros na belíssima peça orquestral de Ravel, a Suite n.º 2 de Daphnis et Chloé. São coisas que se podem corrigir. Esta peça verdadeiramente espectacular e habilmente colorida, retirada de um bailado para os Ballets Russes, levanta mais problemas à orquestra do que o concerto romântico da primeira parte (por uma questão de linguagem e não só de dificuldade técnica), mas a orquestra foi até ritmicamente mais certeira do que no Dvorák.

Joana Carneiro disse ao microfone estar emocionada por ver “esta casa cheia até lá acima” (a sala do São Carlos é pequenina mas bem alta). Depois apelou ao público que acompanhasse a temporada. Esperemos que seja temporada de ópera e música vivas e quentes, como os amores de Antero, e “não sejam só delírios e desejos”.

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