Um novo Brasil musical digerido a três

Wado, Mahmundi, Tatá Aeroplano formam um Bloco que actuará durante três semanas em Lisboa, Ílhavo e Porto. É “um Brasil novinho, suave e sem estereótipos”, como lhe chama Wado, a mostrar-se em Portugal.

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Mahmundi Eduardo Magalhães
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Táta Maira Acayaba
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Wado dr

No Carnaval brasileiro, "bloco" é um termo que serve para designar um conjunto de pessoas que desfila num grupo mais ou menos organizado, frequentemente identificado por um traje comum. Parte, portanto, de um sentido colectivo e comunitário que a produtora Arruada pede de empréstimo para apresentar um ciclo com várias datas por Lisboa (Musicbox), Ílhavo (Centro Cultural) e Porto (Passos Manuel) dedicado a três figuras em afirmação da nova música popular brasileira: Wado, Mahmundi e Tatá Aeroplano.

Wado, ligeiramente menos desconhecido do público português, volta esta quarta-feira para o ambiente lisboeta onde gravou parte do seu penúltimo álbum, Vazio Tropical, com produção de Marcelo Camelo e Fred Ferreira (Banda do Mar, 5/30), entusiasmado por sentir que a sua participação em Bloco reforça a intuição de que está “no caminho certo”. “Não tem como não se encantar em constatar que represento o Brasil fora do meu país”, diz ao PÚBLICO. “E esse Bloco representa um Brasil novinho, suave e sem estereótipos, é Brasil sem ignorar o que acontece agora no mundo, são sambas e ijexás [ritmo ioruba] tortos defendidos por nossa geração.”

E logo se apresta a traçar um retrato rápido dos três participantes, falando de Mahmundi como “uma menina muito nova que tem ganhado muitos prémios no Brasil e desfila uma música sintética e misteriosa”, enquanto aos seus olhos Tatá Aeroplano “é filho da tropicália paulista de Rogério Duprat, irreverente e de escolhas estéticas muito bonitas”. Wado não enjeita mesmo olhar-se ao espelho: “Sou um maluco que já fiz de tudo pela minha paixão pela música brasileira, do funk carioca ao samba.” Em comum, arrisca, os três têm “um digerir Brasil e um regurgitar um outro Brasil”.

No seu último álbum, 1977, Wado regurgita um Brasil misturado com um leque de referências como Jack White, Fleet Foxes, Phoenix, Beck, Vampire Weekend e Radiohead, confessa. “É um disco expansivo e estou louco para mostrar ele para vocês”, acrescenta, lembrando que, apesar dessa matriz anglo-saxónica, 1977 documenta também o seu encontro com os portugueses Samuel Úria e O Martim, numa “ponte Portugal-Brasil-Portugal que tem sido cada vez mais usada". "E esse diálogo ainda nos vai dar muito aqui e aí.” Wado está quarta-feira em Lisboa, quinta-feira em Ílhavo e sexta-feira no Porto.

Um fraquinho por Rita Lee
Também Mahmundi, nome de palco de Marcela Vale, confessa ter uma dieta musical além-fronteiras. Habitualmente tida como seguidora da pop electrónica dos anos 80 – “Falam disso aqui no Brasil, porque fica mais fácil de compreensão”, esclarece –, o seu norte tem sido o movimento chillwave (Animal Collective, MGMT, Neon Indian). “O meu foco foi fazer músicas sensoriais”, resume em resposta por email, “mas sempre amei os anos 80, então ainda fico feliz com a comparação.”

Mahmundi não esconde igualmente a sua devoção por mulheres “fortes e ousadas como Joni Mitchell, Feist e Karen Carpenter”, embora tenha um fraquinho muito particular pela conterrânea Rita Lee, que considera “sempre à frente do seu tempo”. Da cantora brasileira, aliás, costuma cantar em palco uma versão de Corre corre que talvez interprete nas três datas portuguesas (8, 9 e 10 de Abril, Lisboa, Ílhavo e Porto, respectivamente).

Amiga de adolescência do cantor Silva, Marcela foi fazendo a sua formação musical enquanto trabalhava no Circo Voador, uma das mais importantes salas de espectáculos do Rio de Janeiro. Essa experiência foi fundamental para “organizar os milhões de pensamentos” dispersos que tinha sobre a música que queria fazer. “Foram seis anos de muito trabalho, muitas histórias e música, o que só veio reafirmar a minha paixão por tudo isso e fortalecer a minha pesquisa”, confessa. O trabalho funcionou então como uma expansão do vocabulário musical de uma cantora e instrumentista que cresceu graças à Igreja, onde “podia usar e tocar instrumentos, já que não tinha dinheiro para comprar”.

Canções confessionais
Agora, a música de Mahmundi é um efervescente caldeirão de referências, presente de uma outra maneira na sonoridade dos Cérebro Eletrônico. A banda de rock tropicalista formada em 2002 por Tatá Aeroplano, com nome de baptismo que não esconde a filiação assumida em Gilberto Gil – “Uma referência musical intensa para mim”, admite Tatá ao PÚBLICO –, desde cedo reclamou uma misturada de fontes de inspiração como cinema, arte dadaísta e literatura fantástica, pontos de partida assumidos para o álbum Vamos Pro Quarto, registado durante um fim-de-semana chuvoso no interior de um chalé.

A solo, no entanto, Tatá Aeroplano assume uma toada mais confessional. “De uns anos para cá”, conta, “comecei a compor muito dessa maneira – tudo o que eu vivi e vi amigos próximos viverem se transformou em letras e canções. Não sei explicar direito tudo isso, pois componho de forma muito intuitiva e, quando me dou conta, a canção já existe com letra e melodia. E vieram essas canções confessionais [que compõem o álbum Na Loucura e na Lucidez], muitos sentimentos vividos que revivo quando canto essas canções.” Tatá actuará pela mesma ordem (Lisboa, Ílhavo e Porto), a 15, 16 e 17 de Abril.

Agora, em três curtas digressões sob um mesmo mote, o Bloco vai mostrar um Brasil que poucas vezes se ouve por cá. Para lá da festa, para lá do Carnaval, há um país a querer desfilar pelos palcos portugueses.

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