Um longo e suave adeus

Não é uma absoluta novidade na área da música popular, mas talvez agora se tornem mais notadas as tournées de despedida. Porque a idade pesa, porque a inspiração se esvai ou simplesmente porque chegou o momento de dizer adeus. Até os Monty Python acharam que deviam fazer uma ruidosa série de dez espectáculos de despedida na O2 Arena de Londres (sempre esgotada, com 15 mil pessoas por dia), sendo o último, a 20 de Julho, transmitido para quase 600 salas de cinema de Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda. Quem não os viu, e foram milhões, há-de saber o que se passou no DVD que aí vem, a lançar em Novembro.

Pois Portugal já recebeu, este ano, duas tournées de despedida. A primeira foi a do pianista de jazz Martial Solal, que prometera retirar-se quando as suas capacidades físicas começassem a ameaçar falhar. Isso sucedeu tarde, aos 87 anos, e Solal cumpriu com a palavra dada. Fê-lo com uma luxuosa série de concertos (em Portugal foi a Culturgest que o recebeu, a 28 de Março), saindo assim de cena em glória, ao contrário do que, diz ele, sucedera com músicos que ele admirava como Ahmad Jamal ou Earl Hines, antes de morrer (“já não sabia tocar, e eu chorei”). A segunda foi a do grupo cubano Buena Vista Social Club, a 3 de Julho, com a sua Adiós Tour a passar pelos Jardins do Marquês de Pombal, em Oeiras, integrada no EDPCooljazz. Desde que o mundo ouviu falar deles, no final dos anos 90, na sequência da gravação de Ry Cooder e do filme de Wenders, que vários dos seus elementos foram morrendo: Manuel “Puntillita” Licea, em 2000; Compay Segundo e Rubén González, ambos em 2003; Ibrahim Ferrer, em 2005; Pío Leyva, em 2006; Orlando “Cachaíto” López, em 2009. As estrelas que ficaram brilham como podem, mas a idade vai pesando: Omara Portuondo tem 84 anos, Manuel “Guajiro” Mirabal 81 e Eliades Ochoa caminha para os 70 (tem 68, actualmente). Só Barbarito Torres (58 anos) e Jesus “Aguaje” Ramos (63) estão, ainda, noutro patamar etário. O grupo acabará, mas a música, dizem, vai continuar para cada um deles enquanto a vida o permitir. 

É uma inevitabilidade para os músicos, sejam cantores ou instrumentistas, esta avaliação do seu futuro na recta final das respectivas carreiras. Para alguns, o adeus faz-se aos 70, não da música mas da vida. Foi o que sucedeu, este ano, com Johnny Winter ou Bobby Womack, isto só para falar da “geração Woodstock”. O mesmo já acontecera, em 2010, com uma das figuras maiores da soul, Solomon Burke. Actuara no CoolJazzFest (com Joss Stone por convidada) em Julho desse ano e morreu em Outubro. Solomon estava numa fase de renascimento e acabara de gravar um disco intitulado Nothing’s Impossible. Afinal, a única coisa que não lhe parecia então “impossível” privou-o de todas as outras: continuar a viver.
“Não existe nada pior do que desistirem de nós. Aí em Portugal não desistam de mim!” Isto dissera Solomon ao suplemento Ípsilon do PÚBLICO, numa entrevista a Vítor Belanciano, em 2002. Não desistimos e ele não parou, nunca parou. O “nada é impossível” de Solomon espelha o desejo de continuar mas também o receio que isso acabe. Receio que uma cantora como Maria Bethânia igualmente expressa, no vídeo onde fala do seu recente disco Meus Quintais. “Esse disco é um pouco assim, trazendo para perto de mim essa memória, porque eu estou ficando velha [tem 68 anos], porque eu sinto falta disso, falta de todos os meus que já se foram, que gostaram de mim com muita coragem de dizer que gostavam...” Trava, a custo, as lágrimas: “…E isso tem a ver com o galho de árvore. Eu me emociono e isso é o melhor sinal que eu posso receber. Porque eu sou uma artista. E enquanto eu tiver calor e emoção, continuarei sendo artista. Quando isso fugir de mim... não sou nada.”

Pois enquanto músicos como Bob Dylan, Paul Simon, Mick Jagger ou Paul McCartney (ou no Brasil Chico Buarque, Caetano, Gil, Ney Matogrosso; e em Portugal José Mário Branco) já estão no início da estrada que vai dos 70 anos aos 80, Leonard Cohen vai lançar um novo disco a 23 de Setembro, dois dias depois de completar 80 anos. Chama-se Popular Problems e contorna um dos problemas mais sérios dos músicos: a idade. Como se dissesse: o adeus pode esperar. 

 

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