Um intruso num bairro imaginário

Espectáculo Bácoro, segunda coprodução Teatro Nacional São João/Teatro da Palmilha Dentada, sobe à cena esta quinta-feira.

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Segunda coprodução Teatro Nacional São João/Teatro da Palmilha Dentada Fernandp Veludo/NF

Imagine um bairro onde as casas, em vez de alicerces, têm rodas. E as pessoas, de todas as idades, têm medo de sair, de pôr os pés no chão, de estar na rua. Bácoro, vulgo, porco pequeno, título da segunda coprodução Teatro Nacional São João/Teatro da Palmilha Dentada, sobe ao palco do Teatro Carlos Alberto às 21h desta quinta-feira.

O bairro foi construído a partir de esculturas mecânicas e marionetas criadas por Sandra Neves. Em palco, até 16 de Outubro, os actores Ivo Bastos, Nuno Preto e Rui Oliveira tratam de ajudar os espectadores a construir narrativas. “Não há intenção de fazer um espectáculo fechado mas de levantar uma data de pontos para que o público possa inventar a sua história”, diz o encenador Ricardo Alves.

Podemos dar algumas pistas. “Hoje em dia, sentimo-nos confortáveis dentro de casa, dentro do carro, dentro dos shoppings”, começa Ricardo Alves. “De preferência, estacionamos dentro dos edifícios.” Tudo se agrava com as crianças. Crescem quase sem brincar na rua. O espaço público suscita sentimento de insegurança nos pais, nos avós, nos educadores, professores, em suma, nos cuidadores.

Em Bácoro, essa espécie de fobia é ampliada até ao absurdo. “Os adultos estão confinados à casa e educam as crianças para ficarem confinadas à casa.” Já ninguém sabe explicar porquê. Quando um miúdo desafia um velho pescador, o homem, inspirado na figura de António de Oliveira Salazar, responde-lhe: “Sempre foi assim.”

Agora, imagine aquela gente posta no seu sossego e um saltimbanco, com um sotaque estranho, a chegar, com um porco amestrado. Desperta o interesse de um miúdo, da avó, de uma miúda, de uns quantos moradores. Conseguirão capturar o animal, matá-lo, partilhá-lo, fazer uma festa?

Ricardo Alves quer que se pense, “um bocadinho”, nas migrações. “A frase final ‘ter respeito por quem está’ é um bocadinho falsa”, aponta. “Não é ter respeito por quem está, é ter respeito por tudo. Aquela coisa de ‘em Roma, sê romano’, eu acho que não, eu acho que, para onde formos, devemos levar connosco as nossas convicções, as nossas crenças”.

Esta é, também, a noite de “estreia” da Língua Gestual Portuguesa nos espaços do Teatro Nacional São João. Bácoro contempla uma récita de Língua Gestual Portuguesa no dia 9 de Outubro. Haverá serviço de audiodescrição em alguns espectáculos, como acontecerá também na produção própria Os Últimos Dias da Humanidade, que deverá ser estreada a 27 de Outubro, numa encenação de Nuno Carinhas e Nuno M. Cardoso.

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