Um homem na cidade

Primeiro filme exibido no concurso de Locarno , James White, do americano Josh Mond, é um poderoso retrato de um homem à procura de si próprio.

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A proximidade da câmara ao corpo de Christopher Abbott cria uma sensação de intimidade que pode ser desconfortável mas nunca é intrusiva nem violenta DR
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James White começa com um grande plano da personagem que lhe dá nome - a encher o ecrã todo - e acaba com outro. Nos seis meses que decorrem entre um e outro, tudo mudou, e a câmara nunca largou este quase-trintão nova-iorquino que parece preso num estado de adolescência arrastada.

E dificilmente poderíamos encontrar um melhor arranque para o concurso oficial de Locarno do que a estreia na longa-metragem do americano Josh Mond, terceiro vértice da produtora nova-iorquina Borderline Films com Antonio Campos e Sean Durkin. Tem um certo ar de família - o seu herói é uma ave estranha, uma personagem deslocada, vivendo numa família "danificada", nas palavras do realizador (e a família, presente ou ausente, esteve sempre no centro dos filmes da produtora). Mas para nós James White é, depois de Afterschool e Simon Killer de Campos, e de Martha Marcy May Marlene de Durkin, o melhor dos filmes saídos da casa. É o menos abstrato, o menos cerebral, o mais pessoal - é a história de um tipo à toa que tem de tomar conta de uma mãe viúva com um cancro em estado terminal, e a doença vem da própria experiência de Mond com a sua mãe. 

Na conferência de imprensa, Mond é peremptório: se o seu filme veio de uma "experiência de dor e sofrimento", não é um filme directamente autobiográfico. "O filme nasceu de eu não ser capaz de compreender o que estava a passar ao perder a minha mãe, como um modo de compreender e de tirar sentido de toda essa dor e sofrimento, e de a transformar em algo de positivo," diz. Originalmente, nem era este o projecto que tinha na cabeça, mas foram os "sócios e autênticos irmãos" Durkin e Campos que o empurraram para explorar algo mais pessoal.

O que interessa verdadeiramente ao cineasta é perceber o que vai na cabeça de James. Escolheu o actor perfeito para isso - Christopher Abbott,  que trabalhara com a Borderline em Martha Marcy May Marlene e se tornou num amigo muito próximo, transporta o filme todo aos ombros numa daquelas interpretações que revelam um actor. A proximidade da câmara de Matyas Erdely ao rosto e ao corpo de Abbott cria uma sensação de intimidade que pode ser desconfortável mas nunca é intrusiva nem violenta. 

Pormenor importante é que, à medida que o filme avança, a câmara distancia-se gradual e lentamente - como quem diz que James está a aprender a largar amarras, a aprender a aguentar-se sozinho numa cidade que não tem a mínima piedade para com ele. Questionado sobre a dureza do seu retrato de Nova Iorque, Mond repete não se rever na imagem que dá, mas que, "para James, a cidade é uma espécie de máquina na qual ele se deixou engolir. Ele não está a parar para pensar, limita-se a reagir a quente, e se não se tira esse tempo para pensar uma pessoa perde de vista a saída". James White é o percurso de James pelo labirinto em direcção à saída; se a encontra ou não, o espectador que decida. Não tem nenhum efeito de moda, está longe do que "está a dar", é um filme difícil, sim, sem compromissos: pega-se ou larga-se. Mas é uma das melhores revelações do cinema independente americano nos últimos anos, e uma grande fita em qualquer parte do mundo. 

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