Últimos dias de um presidente

Um homem em processo de desilusão e esgotamento, em quem os mais pequenos gestos podem ser um prenúncio do fim.

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Trailer Getúlio

Getúlio Vargas foi uma das figuras cruciais, e mais controversas, do século XX brasileiro. Governou o país durante 18 anos, primeiro como ditador e, mais tarde, como presidente eleito mas constantemente acusado de continuar a comportar-se como um ditador - como diz alguém no filme de João Jardim, “a ditadura é um traço de carácter”, que se sobrepõem sempre às circunstâncias políticas.

De certa forma, foi como “ditador” que morreu, em 1954, quando se suicidou, em plena vigência do mandato, no pico de um escândalo político que o acossou e lhe desfez os nervos - “morreu como ditador” dizemos nós, não por termos ido consultar estatísticas, mas porque apesar de tudo os fins violentos são mais comuns entre ditadores do que no caso de governantes democraticamente eleitos.

De qualquer, isso - os “últimos dias” de Getúlio Vargas - é o tema central do filme de João Jardim, que sem deixar de evocar, como num “biopic”, o percurso da figura, se concentra nos derradeiros 19 dias da vida do então Presidente, entre o momento em o que o escândalo rebenta - o atentado contra um seu opositor politico - e o momento em que Getúlio rebenta e dá um tiro de pistola no coração. Num registo rápido que podia ter por modelos alguns exemplos famosos do cinema americano (certos filmes de Oliver Stone, por exemplo), os acontecimentos políticos e mediáticos vão sendo dados e relatados, com o suporte de uma reconstituição de época credível que não torna difícil acreditar neste retrato dos anos 50 brasileiros. Mas se essa eficácia, até em termos de factura “industrial”, se esgota um pouco nela própria e na relativa banalidade “déja vue” dos seus procedimentos, a força do filme está no lado introspectivo com que aborda a figura de Getúlio, muito bem interpretada por Tony Ramos, e filma um homem em processo de desilusão e esgotamento, em quem os mais pequenos gestos podem ser, ou pelo menos parecer, um prenúncio do fim. A perspectiva de Getúlio, pelo menos o seu enfoque mais interessante, é esta, ser um filme sobre o cansaço, independentemente das razões e das culpabilidades da personagem, um cansaço “mortal”, como se a Stone João Jardim juntasse uns pozinhos do van Sant de Últimos Dias. Claro que não é a mesma coisa – mas quando Jardim se põe a filmar as “ausências” de Getúlio, o seu olhar perdido em devaneios e rememoriações, ou actos tão banais como tomar um comprimido antes de dormir encenados com a demora quase ritual de quem prepara - ou de quem filma - um suicídio, torna-se evidente que esse é o núcleo do filme, e o aspecto que o faz elevar-se um pouco acima da mera eficácia banal da sua reconstituição narrativa.

 

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