Tiago Rodrigues estreia-se em Avignon

Dramaturgo e encenador português estreia-se no importante festival de artes cénicas francês com António e Cleópatra. A 69.ª edição é de 4 a 25 de Julho.

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Sofia Dias é uma das intérpretes de António e Cleópatra Magda Bizarro/Mundo Perfeito

É o segundo festival assinado por Olivier Py e, depois do desaire da edição 2014, apresenta uma programação eclética, que junta a experiência do Krystian Lupa que se atira a Thomas Bernhard, à experimentação do belga Benjamin Verdonck, cujo Notallwhowanderarelost , apresentado no fim de semana passado no Teatro Municipal do Porto, pode ser visto estas quinta e sexta-feiras no Maria Matos, em Lisboa.

Ou, se quisermos, uma edição que quer fazer as pazes com aqueles que acusaram o encenador e dramaturgo de esquecer que Avignon é o lugar onde se fazem nomes e se consagram carreiras. De 4 a 25 de Julho, no sul de França, Avignon voltará a acreditar ser o epicentro de uma criação que, após os atentados de Janeiro, quer recuperar uma relação comprometida com a actualidade.

Na conferência de imprensa desta quinta-feira, em Avignon, Olivier Py revelou a programação, perguntando se não teria chegado a hora de “este doloroso acordar francês” dar azo “a que cultura deixe de ser um adorno turístico ou um luxo supérfluo" para passar a contribuir para “o futuro da própria política”. Talvez não seja abusivo pensar que é esta a ponte que pode justificar a presença de António e Cleópatra, de Tiago Rodrigues, que parte do texto de Shakespeare para construir uma relação de intensidade entre as palavras e os seus significados: os políticos, os passionais, os teatrais.

O espectáculo, escolhido pelo jornal PÚBLICO como um dos melhores do ano passado, foi a última criação de Tiago Rodrigues antes de o encenador assumir a direcção do Teatro Nacional Dona Maria II. É aliás o D. Maria que assume a produção, agora que a Mundo Perfeito, a companhia fundada pelo encenador, cedeu a este teatro nacional os direitos de exploração dos seus espetáculos.

Estreada em Dezembro, António e Cleópatra é o encontro feliz entre a dança do detalhe que caracteriza o trabalho dos coreógrafos Sofia Dias e Vítor Roriz, aqui intérpretes, e a escrita sincopada de Rodrigues. De 12 a 18 de Julho, na intimidade da sala Benoit XII, os dois amantes fazem do destino dos seus impérios, Roma e Egipto, o seu próprio destino.

A primeira vez
É uma estreia para o encenador e para os dois intérpretes em Avignon, mas é também quase uma estreia do teatro português no festival, cuja participação tem sido episódica.

Em 1988 Maria de Medeiros e Luís Miguel Cintra apresentaram A Morte do Príncipe, a partir do texto de Fernando Pessoa, que depois foi adaptado ao cinema, num filme assinado pela actriz, marcando a sua estreia na realização. Mas, depois deste primeiro ensaio, apenas a dança. Em 2005 a bailarina Leonor Keil estreou o solo Solitary Virgin, no programa Sujet a Vif, o mesmo onde, cinco anos depois, João Paulo Santos, acrobata do mastro chinês, apresentou Contigo, uma coreografia de Rui Horta. Só em 2013, com The Old King, criação híbrida entre o teatro e a dança assinada por Miguel Moreira mas integrando o contingente belga (o intérprete era Romeu Runa, bailarino da companhia belga C. de la B., de Alain Platel), se pode de facto dizer que a criação portuguesa chegou ao coração de Avignon.

Este ano, ao lado de Tiago Rodrigues, há outros Shakespeares e mais guerras: Olivier Py apresenta Rei Lear e Thomas Ostermeier estreia Ricardo III. Depois, é o desfile habitual de vedetas do cinema a experimentarem o teatro - Isabelle Huppert, que lerá Sade, e Fanny Ardant, a dar voz a Christa Wolf, farão leituras de textos onde o poder é a chave – com a dança a mostrar-se em toda a sua diversidade. Hofesh Schester estreia-se no festival com Barbarians, obra em que a sua dança musculada encontra a desculpa perfeita para a arrogância dos homens, e Eszter Salamon mostra Monument 0: Hanté par la guerre (1913-2013), coreografia épica que conta com o bailarino português João dos Santos Martins no elenco e em que trabalha algo que sempre uniu os homens: a guerra.

Para explicar tudo isto, talvez, a estreia de um texto do filósofo Alain Badiou que reescreve A República, de Platão, para os alunos das escolas da região.

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