Experimental na distribuição e regular na criação

A forma como o líder dos Radiohead quer fazer chegar ao público o seu novo álbum a solo, através do serviço BitTorrent, é experimental. Já o conteúdo musical, sem desiludir, também não surpreende.

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Os Radiohead sempre foram a sua prioridade, mas ao longo dos anos Thom Yorke foi encontrando disponibilidade para colaborar com outros grupos, para conceber projectos alternativos (Atoms For Peace), para se lançar a solo (com o álbum The Eraser, de 2006) e para pensar a indústria da música em tempo de transições.  

É inevitável que numa altura em que não existe um modelo de negócio capaz de satisfazer uma larga maioria dos agentes envolvidos na indústria da música se experimentem novas soluções. É isso que Thom Yorke e os Radiohead têm feito.

Esta sexta-feira voltou a acontecer, com o lançamento do novo álbum do cantor disponível para ser descarregado via BitTorrent, pela quantia de 4, 73 euros – o álbum físico fica para depois. Noutros campos artísticos a actividade propriamente criativa e os mecanismos de validação e distribuição, ou seja as diferentes formas de chegar ao público, não são desvinculáveis.

Mas durante décadas, na indústria da música, parecia persistir a ilusão de que esses campos estavam totalmente separados. Hoje já se percebeu que o investimento no trabalho criativo não é dissociável da comunicação ou da distribuição. O ideal é fazer participar todos esses elementos na mesma entidade criativa.

Existe um custo associado a esta forma de operar: alguns músicos poderão ter menos disponibilidade para pensar em exclusivo na sua arte. Por outro lado, o facto de os lançamentos de discos se terem tornado nos últimos tempos verdadeiros acontecimentos mediáticos (Bowie, Beyoncé, U2, West, Arcade Fire, Daft Punk), acaba por criar uma expectativa desmesurada que é difícil depois de rectificar. Talvez por isso quando se ouve o novo álbum de Thom Yorke o sentimento seja de relativa desilusão.

É verdade que não existe nada por aqui que ponha em causa a sua credibilidade, mas também não há nenhuma surpresa evidente. Há reconfiguração de elementos já antes explorados.

Há algumas canções que se destacam, como The Mother lode, mistura de ritmos electrónicos disjuntos e piano repetitivo, que parece ter sido inspirada em produções de Jamie xx ou Burial, ou o dinamismo rítmico próximo do house de There is no ice (for my drink) que parece ter sido inalado em Four Tet ou Caribou.

Trata-se de um disco onde Thom Yorke revela aquilo que já se sabia: a paixão pelas electrónicas contemporâneas mais expansivas, que combina com texturas melancólicas e um clima global algo desconsolado mas caloroso, servido pelo falsete vocal maleável. É isso que acontece na elegíaca Interference ou na electrónica borbulhante da boa canção final Nose grows some.

É um álbum de temas inspirados em alguma música de dança, mas que está longe de ser desfrutável nesse contexto. Mais do que um disco de rituais colectivos, é um objecto emocional e intimista para ser usufruído isoladamente em escuta doméstica.

Na teoria, a estratégia desenhada por Yorke e pelo serviço BitTorrent  para fazer chegar o álbum ao público parece interessante (especialmente para os artistas, pela ausência de intermediários), mas é difícil perceber se uma larga maioria dos melómanos lhe aderirá, porque não parece muito sedutor, mas só o futuro próximo dirá o que irá acontecer.

Já a música, essa, não parece que vá desiludir quem há muito segue os passos de Thom Yorke, da mesma forma que é pouco plausível que vá conquistar novos adeptos para a sua causa.

Sinal dos tempos: hoje a sua capacidade para experimentar está mais direccionada para os novos modelos de distribuição do que propriamente para a música, embora as duas coisas estejam interligadas nestes tempos de transição.

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