Um orçamento de compromisso mas com contas da RTP ainda por explicar

Contas do OE não batem certo com as previstas pela empresa pública de rádio e televisão nos seus documentos oficiais. Teatro Nacional D. Maria II vai ter 4,8 milhões de euros.

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Átrio do Teatro D. Maria II Miguel Manso

A proposta de Orçamento de Estado (OE) apresentada na semana passada pelo Governo está ainda muito condicionada pela austeridade, e foi elaborada “num quadro de braço de ferro com a Comissão Europeia”, mas esforça-se por “cumprir compromissos fundamentais para a recuperação da confiança no Estado, e não penaliza a Cultura”. Esta é a visão da deputada pelo PS e ex-ministra da Cultura Gabriela Canavilhas, comentando os números revelados na sexta-feira relativos a este sector que voltou a ter direito a um ministério no organigrama do governo, tutelando em simultâneo a RTP e a comunicação social. Contactado pelo PÚBLICO, o grupo parlamentar do PSD remeteu qualquer comentário ao OE para o final desta semana, e, no CDS-PP, não foi possível falar com Teresa Caeiro, a porta-voz do partido para a Cultura.

No relatório da proposta do OE está prevista uma despesa total consolidada para o Ministério da Cultura de 418 milhões de euros. Mas nos mapas está prevista uma parcela de 234 milhões de euros de despesa com a RTP e uma parcela de 244 milhões de euros de receita. Porém, estes números não batem certo com os previstos pela empresa pública de rádio e televisão nos seus documentos oficiais. Nem os números das despesas nem os referentes às receitas. O Governo diz que a RTP terá receitas de 244 milhões de euros, mas o contrato de concessão prevê 222 milhões e o plano de actividades e orçamento (PAO) diz 216 milhões. Já nas despesas, o orçamento das Finanças consigna 234 milhões de euros, o contrato de concessão prevê um total de gastos de 215 milhões de euros e o PAO fica-se pelos 208 milhões.

O orçamento prevê que a RTP receba este ano 180,2 milhões de euros provenientes da contribuição para o audiovisual (CAV). Este valor foi inscrito no orçamento do Ministério da Cultura (MC) na sequência da recomendação do Tribunal de Contas para a reclassificação desta contribuição como imposto indirecto. Assim, e apesar de o dinheiro cobrado aos consumidores de electricidade na factura deste serviço não entrar fisicamente nos cofres do Estado, ele tem que ser orçamentado no gabinete tutelado por João Soares – e nele representa uma fatia de 27,8%, ao passo que no ano passado ascendia a 29,5%.

A CAV mantém-se este ano nos 2,65 euros (os consumidores têm que pagar com IVA, ou seja, 2,81 euros por mês) e os 180,2 milhões são o valor total cobrado aos consumidores. Mas não será esse o montante que chegará à RTP: descontando os 6% do IVA, a empresa pública receberá cerca de 169 milhões, valor que já estava previsto no contrato de concessão assinado no ano passado.

Mesmo que se tenha em conta essa diferença de cerca de 11 milhões de euros relativa ao IVA, há, no entanto, algumas divergências entre os mapas de receitas e de despesas do MC relativos à RTP e os valores inscritos no anexo ao contrato de concessão e no PAO da empresa.

A RTP deixou de receber indemnização compensatória do Estado no final e 2013, passando a ser financiada exclusivamente pela CAV e pelas receitas comerciais que consegue angariar – e cuja fatia maior é a da publicidade. O Governo de António Costa deixou cair – pelo menos por este ano – a ideia de cobrar a CAV não através das eléctricas, mas das empresas fornecedoras de telecomunicações.

4,8 milhões para o D. Maria
Muito distante ainda do 1% do PIB desde há vários anos almejado por diferentes sectores da vida cultural nacional – e ainda sexta-feira reivindicado, em Lisboa, pela plataforma Cultura em Luta –, o orçamento do MC foi desenhado numa “lógica de solidariedade” entre várias áreas do Governo, pelo que, para se contabilizar o seu montante total – justificou o ministro João Soares –, devem ser somadas verbas da Ciência, da Educação e do Turismo.

Na enumeração feita pelo PÚBLICO das verbas destinadas aos diferentes organismos do MC não constava o orçamento do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, que receberá um montante de 4,8 milhões de euros, cuja dotação é proveniente da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, além do Fundo de Fomento Cultural. O Teatro Nacional São João, no Porto  recorde-se , irá receber cerca de 4,6 milhões.

Na proposta de OE que vai ser debatido no Parlamento nos dias 22 e 23 de Fevereiro , o capítulo relativo à Cultura avança que o montante de 418 milhões de euros significa um aumento de 16,8% comparando-o com a execução provisória do orçamento de 2015, da responsabilidade do governo PSD/CDS-PP liderado por Pedro Passos Coelho. Gabriela Canavilhas acrescenta que, apesar de inicialmente ter anunciado um montante de 219 milhões de euros (recorde-se que nessa soma não entrava então a parcela da RTP), o anterior Governo “ficou-se por menos de 140 milhões”.

Lembrando o quadro de crise que condicionou e obrigou ao retrocesso no financiamento da Cultura desde o OE para 2011, a ex-ministra do Governo de José Sócrates destaca também o regresso do ministério e a criação do Fundo de Salvaguarda para o Património entre as medidas que auguram um quadro mais positivo para a cultura nesta legislatura.

Canavilhas cita ainda a criação do fundo interministerial para candidaturas comunitárias, que permitirá engrossar a fatia do orçamento, e de novos incentivos fiscais para produções cinematográficas internacionais como aspectos inovadores. E avança que o PS irá voltar a propor no Parlamento o alargamento da possibilidade de consignar 0,5% do IRS para as instituições culturais – uma medida que foi chumbada pela maioria PSD/CDS-PP em Maio passado –, “de forma a beneficiar o sector” no novo orçamento. com Cláudia Lima Carvalho

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