Teatro Maizum enche as ruínas do Teatro Romano de Lisboa com A Paz de Aristófanes

Primeiras sessões tiveram lotação esgotada. Entre esta sexta-feira e domingo, os lisboetas podem ver um clássico grego no seu secular teatro romano.

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A Paz de Aristófanes no Teatro Romano de Lisboa RITA SILVA
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A Paz de Aristófanes, ensaios no Teatro Romano de Lisboa TEATRO MAIZUM
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A Paz de Aristófanes no Teatro Romano de Lisboa TEATRO MAIZUM
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A Paz de Aristófanes no Teatro Romano de Lisboa TEATRO MAIZUM

Pode a novidade, em pleno século XXI, ser um teatro antigo? Pode. Silvina Pereira e o Teatro Maizum, que nos últimos tempos tinham andado embrenhados na divulgação da obra do autor quinhentista Jorge Ferreira de Vasconcelos (1515/1524?-1585), mostram agora em Lisboa A Paz, um texto intemporal do comediógrafo grego Aristófanes (444-385 a.C.). E logo num palco que que não recebe qualquer representação desde o século IV d.C,. o do Teatro Romano de Lisboa. Soterrado até 1798 (os autores renascentistas portugueses desconheciam a sua existência), foi descoberto na reconstrução da cidade pós-terramoto e, alvo de várias campanhas arqueológicas a partir de 1967, acabou por ser inaugurado apenas em 2001 (fechou depois em 2013 e reabriu em 2015 ao público).

Temas intemporais

Pois é nas ruínas do Teatro Romano, hoje Museu (na Rua de S. Mamede, 3 A, perto da Sé de Lisboa), que começou a ser apresentada A Paz, cujas últimas representações estão marcadas para 14, 15, 16 e 17 de Julho, sempre às 21h  É uma parceria entre o Museu Teatro Romano e o Teatro Maizum, sob a direcção de Silvina Pereira, investigadora do Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, encenadora, dramaturgista e directora artística do teatro. “A ideia inicial”, diz Silvina ao PÚBLICO, “é encenar o repertório clássico, greco-latino, no local mais adequado e original, como é o caso, dando referentes ao público português em termos de cultura geral e teatral. O público tem direito a conhecer a dramaturgia clássica, universal e nacional.” E a resposta, acrescenta, foi mais que satisfatória. “O público aderiu a cem por cento, os espectáculos estão esgotados, o público sai contente e nós só podemos regozijar-nos por termos feito uma escolha certa.”

A encenação de A Paz, diz, insere-se num programa mais vasto de investigação e criação teatral. “É um programa que tenho vindo a desenvolver a partir da dramaturgia portuguesa clássica do século XVI. E quais foram as fontes deles? O repertório clássico greco-latino.” O tema é intemporal: “A paz versus a guerra, a vida normal, equilibrada, dos cidadãos versus os lobbies da guerra. Pareceu-me um tema muito pertinente nos dias de hoje. Por outro lado, sendo Aristófanes o fundador da comédia antiga, pareceu-me que podia ser o ponto de partida deste projecto mais vasto. Aristófanes satirizou muitos políticos, como Cleon, demagogo odioso que levou os gregos à guerra fratricida do Peloponeso, apelidando-o de traficante de curtumes, que era o seu negócio.” Ora ainda hoje, diz a encenadora, a guerra “é um negócio” e dá mais dinheiro do que a paz.

Asas para criar

“Aristófanes dizia-se um poeta que arriscava a vida para dizer a Atenas a verdade”, lembra Silvina Pereira. Mas não se ficava por aí. Criticava também os colegas de ofício, como Eurípedes, que ele desprezava pelas tragédias, pelo estilo de escrita. Hoje, perante a peça, pode haver referências que escapam ao espectador. Mas o essencial, não. “Há partes que nos ultrapassam, não sabemos muita coisa. Mas há uma coisa que sabemos: é que a paz é um ideal de todos os tempos. Tal como a fantasia. Nesta peça, o Trigeu, que é um agricultor, um vinhateiro, decide libertar a deusa Paz que está no Olimpo, enterrada pela guerra, e para isso monta um escaravelho gigante. Ora ainda há dias, numa das brincadeiras que fizeram com o Cristiano Ronaldo, vimo-lo montado num insecto. É exactamente a mesma coisa. A paródia, a fantasia, são no fundo a capacidade humana de criar, imaginar, sonhar. E isso tem asas grandes!”

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