Black Keys: "Ainda não fizemos o nosso melhor disco"

Há uma semana, os Black Keys estiveram no Nos Alive perante dezenas de milhares. Horas antes o baterista Patrick Carney falava ao Ípsilon de quando o duo andava por Madrid a tocar para 45 pessoas. E de como essa vida sem estrelato os salvou quando o sucesso surgiu inesperadamente.

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Os Black Keys foram os cabeças-de-cartaz do segundo dia do NOS Alive MIGUEL MANSO

Em 2012, quando os Black Keys comemoravam dez anos desde a edição do álbum de estreia, The Big Come Up, vimo-los na MEO Arena. Patrick Carney, o baterista da banda que acaba de lançar Turn Blue, lembra-se muito bem. Encontrámo-lo horas antes do concerto de há uma semana no NOS Alive, onde foram os cabeças-de-cartaz do segundo dia do festival, nuns camarins bem protegidos do calor que torrava lá fora. “O primeiro concerto em Portugal foi incrível para nós”, diz. Mas é o que conta a seguir que interessa. “Antes dele, o concerto mais próximo de Lisboa que tínhamos dado fora em Madrid, em 2004. Estavam lá 45 pessoas."

Os Black Keys passaram dois terços da sua existência enquanto banda de culto, sobrevivente discreta da vaga do chamado “novo rock” corporizada por Strokes ou White Stripes. Em 2010, tudo mudou. Com Brothers e El Camino, com canções como Howling for you ou Lonely boy, tornaram-se, surpreendentemente, numa das bandas rock'n'roll mais bem-sucedidas do planeta. O magro e altíssimo Patrick Carney, baterista comunicativo, por contraponto à timidez desconfiada do guitarrista e vocalista Dan Auerbach, aproveita o sucesso sem histerias. “Devemos assumir sempre que a escalada acaba”, dir-nos-á. Desde que os deixem dar concertos e gravar álbuns, sempre com a fidelidade de som de Led Zeppelin II na mira (“é esse o meu modelo, é a isso que aspiro”), tudo estará bem.

 Depois da edição de El Camino estiveram quase dois anos em digressão, algo que Dan Auerbach considerou depois um erro, por ser demasiado stressante e cansativo. Imagino que não o repetirão agora.

Algumas bandas saem em digressão durante um ano e meio. Seis semanas seguidas, dez dias de folga. Nós não. Percebemos há muito que se estivermos em digressão demasiado tempo começamos a “flipar”. Mas estamos melhor. À medida que envelhecemos começamos a ter mais paciência. Além disso, andar em digressão não costumava ser assim. Não tínhamos autocarros confortáveis. Ficávamos exaustos, adoecíamos. E depois pensávamos nos amigos que estavam a aproveitar as férias em casa, que iam até ao lago nadar. Nessa altura tinha 20 e poucos anos. Agora tenho 34 e os meus amigos estão a trabalhar, a cuidar dos filhos, enquanto eu estou a manter a minha adolescência. Sim, agora tenho mais paciência.

Os Black Keys surgem em 2002, no momento em que, através de bandas como os Strokes ou White Stripes, de uns Datsuns ou de uns Von Bondies, para quem abriram alguns concertos, se falava muito de um “regresso” do rock’n’roll. Entretanto, tudo esmoreceu e a maioria dessas bandas ou acabou ou deixou de ter impacto. Os Black Keys não só sobreviveram como atingiram uma imensa popularidade. Como explica isso?

Neste momento há um monte de bandas rock do caraças, isso é certo. Os Arctic Monkeys têm um controlo total do seu talento, os Arcade Fire andam aí em digressão. E, entre tantas bandas tão boas, estamos também no topo da lista. É estranho, porque passámos muito tempo no fundo. Começámos a banda aos 21 anos, mas não tivemos qualquer tipo de sucesso comercial antes dos 30. Tudo o que sempre quisemos foi gravar discos. Sabíamos que depois tínhamos de andar em digressão, mas não sabíamos com que dimensão e com que comprometimento. Um álbum demora um par de semanas a gravar – até pode demorar um par de dias. Edita-lo e metes-te na estrada durante muito mais tempo do que o que demoraste a gravá-lo. Foi isso que fizemos. Gravámos discos e andámos em digressão. Depois, quando editámos o Brothers [2010], passou-se algo de diferente. Na primeira semana, vendeu três vezes mais do que o disco anterior [Attack & Release]: 73 mil cópias, nada de extraordinário, mas chegou ao terceiro lugar [nas tabelas], quando o anterior tinha chegado a 14.º. Depois o primeiro single começou a ser tocado na rádio, o que foi surpreendente porque nunca tinha acontecido, as rádios não queriam saber de nós. Umas semanas depois, fomos tocar com os Strokes ao [festival] Lollapalooza. Estávamos no Verão de 2010 e íamos estar exactamente no mesmo palco em que tínhamos tocado em edições anteriores. Mas dessa vez estavam lá umas 60 mil pessoas. Fiquei assustado como o caraças. Foi a primeira vez que tive medo de palco.

Imagino que o medo já tenha desaparecido de todo. Já andam há quatro anos a tocar para dezenas de milhares em cada concerto.

Temos de ser um pouco psicopatas para não nos passarmos. Mas há que colocar as coisas em perspectiva. No início demos muitos concertos em que toda a gente estava ali de braços cruzados a lançar um olhar vazio para o palco. Depois, quando tocas para 60 mil pessoas, pões-te a pensar: “Oh meu Deus, isto são 60 mil hipsters que vêm aqui para nos julgar." Mas, na verdade, são só 60 mil pessoas que se querem divertir. Isso tira a pressão dos teus ombros. Demorou um pouco a sermos reconhecidos, a ganharmos Grammys, a vendermos discos e a termos canções na rádio. Mas se tudo tivesse chegado quando tinha 24 anos talvez fosse demasiado cedo. Nessa idade somos ingénuos o suficiente para ignorar a sorte que é ter sucesso a fazer o que adoramos. Certamente que seríamos afectados. Assim, estivemos nos dois pólos do rock’n’roll. Nunca vendemos dez milhões ao estilo Adele, mas tocámos para 140 mil pessoas. E também tocámos para duas.

No processo, a música dos Black Keys foi mudando. Mudou porque vocês mudaram enquanto músicos ou porque passaram a ter acesso a outras condições, a melhores estúdios, a um produtor como Danger Mouse?

É uma coisa bizarra. A única verdadeira mudança foi que em 2008, quando lançámos o Attack & Release, decidimos que passaríamos a gravar como se fôssemos uma banda de quatro elementos. Começámos a usar o estúdio como um instrumento e isso foi quase uma revelação. O nosso primeiro disco [The Big Come Up, 2002] foi gravado na minha cave. Andávamos então à procura de uma terceira pessoa para tocar baixo connosco, mas não conseguimos encontrar ninguém capaz de estar tão comprometido quanto nós. Estávamos dispostos a sair da escola, largar os nossos empregos, pegar em todo o dinheiro que tínhamos poupado (600 dólares entre os dois), meter-nos numa pequena carrinha, dar concertos durante três semanas e regressar a casa falidos. Isso foi em 2001. Os Strokes rebentaram nessa altura. São gajos da minha idade: eles estavam obcecados com os Guided By Voices, eu estava obcecado com os Guided By Voices. Quando vieram a Cleveland, tocaram no Agora Theater. A última vez que tinha visto lá uma banda de jeito tinha sido em 1994, com os Dinosaur Jr. Nesse Outono, a sala esgotou. Os Strokes eram a nossa geração, miúdos que estavam na escola secundária quando os Pavement ou os Nirvana andavam por aí, e isso era inspirador. Eu senti-me ligado àquela cena por serem todos meus parceiros etariamente. Mas com os Black Keys percebemos que não estávamos nada ligados àquela cena. Não conhecíamos aquelas pessoas, não éramos como elas, éramos os underdogs, uns merdas por quem ninguém dava um tostão furado. Tenho vindo a conhecer muitos desses músicos e muitos deles são agora amigos próximos. O Albert Hammond Jr [guitarrista dos Strokes] é um grande amigo. Mas também há muita prepotência no meio, muitos posers, muitos lambe-botas. Em parte não pertencíamos a nada daquilo porque vínhamos da cidade mais pequena do Ohio. Se nos armássemos em espertinhos e fingíssemos que éramos os maiores, chegaríamos a casa e teríamos perdido os nossos amigos todos.

Costuma regressar aos discos antigos dos Black Keys? Ainda gosta do que ouve neles?

Quando acabamos de gravar um disco normalmente vou ouvi-los, para perceber onde o novo se enquadra. Há uma progressão natural na discografia. Por exemplo, uma canção como Yearning, do primeiro álbum, está directamente ligada a Gotta get away [do novo Turn Blue] – é uma estrutura simples de rock clássico. Há algumas coisas que faríamos de modo diferente, claro. Tínhamos 21 anos e estávamos a aprender a fazer discos, mas gosto do nosso catálogo antigo. Se ouvirmos o primeiro e ouvirmos o último percebe-se por alguns pormenores que pertencem à mesma banda, mas não parece. Gosto disso. Se ouvirmos o White Album dos Beatles e depois ouvirmos o Eight days a week, consegues dizer que sim, são os mesmos, mas não exactamente. É isso que queres. Há quem consiga descobrir uma estética e essa estética ser tão boa que não a vale a pena mudar. Essa estética é os Ramones. Mas também é bom experimentar. Aliás, é sempre melhor experimentar e falhar do que nem sequer tentar.

Considerando de onde vieram os Black Keys e aquilo que atingiram nos últimos anos, a que aspiram para o futuro? Algo mais do que continuar a ter a possibilidade de gravar discos e fazer digressões?

Nos últimos dois anos, durante este crescimento, aprendi que a escalada acaba. E devemos sempre assumir que acabará no disco seguinte. O que temos de ter sempre em consideração é que nos metemos nisto porque queríamos gravar álbuns. Quando nos deparamos com o sucesso, temos duas opções: continuar a fazer a música que queremos e que nos preenche criativamente, ou fazer música para manter esse sucesso. Se escolheres a segunda hipótese, vais sentir-te miserável. É essa a tragédia em quase todas as quedas das personagens do rock’n’roll. Sabemos que ainda não fizemos o nosso melhor disco. Ainda não gravámos um que esteja ao nível dos discos que adoramos. Tentar fazer algo dessa dimensão é atraente o suficiente, mesmo tendo consciência de que pode não vender uma merda. Tenho orgulho nos nossos discos, no facto de cada um ser drasticamente diferente dos anteriores. Brothers foi aquele em explodimos e conseguiríamos ter feito outro igual a dormir. Chegar àquele pico [de popularidade] e gravar depois um álbum completamente diferente como o El Camino, que foi o nosso primeiro disco de rock’n’roll a sério, deixa-me orgulhoso. E depois dele fizemos outro completamente diferente. É isso que queremos continuar a fazer. O sucesso pode desaparecer, mas desafiares-te nunca deixará de ser cool. Talvez o próximo disco seja gravado em duo, só eu e o Dan [Auerbach]. Mas como nunca fazemos planos para o futuro, logo decidiremos quando chegarmos ao estúdio. Se não andássemos em digressão, estaríamos em estúdio o tempo todo. E estaríamos sempre a editar discos. Ninguém nos aturaria.

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