Stephan Mathieu apresenta uma meditação sobre a música dos Mão Morta

Desafiado pelo GNRation a trabalhar sobre a música de “um tesouro nacional”, o músico de electro-acústica Stephan Mathieu apresenta no Mosteiro de Tibães um concerto em que os Mão Morta se tornam matéria abstracta

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Stephan Mathieu Ilídio Marques / GNRation
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Stephan Mathieu Ilídio Marques / GNRation

Quem transpuser esta noite de sexta-feira as portas do Mosteiro de Tibães, em Braga, irá a caminho de um culto menos habitual. Mas nem por isso pouco fervoroso ou devoto. No espectáculo A Segunda Mão, o mestre alemão de música electro-acústica Stephan Mathieu apresentará um concerto erguido a partir da obra de uma das mais marcantes bandas do rock português – os bracarenses Mão Morta.

E o que Mathieu espera é que o seu gesto não seja entendido como profanação ou heresia. Porque aquilo que proporá será composto de uma tal abstracção que não adianta esperar reconhecer Budapeste, Oub’lá ou Horas de Matar nos sons que tomarão conta do mosteiro. “Digamos que fiz uma meditação sobre os Mão Morta”, resume Mathieu ao PÚBLICO.

O resultado que poderemos ouvir foi construído um pouco à imagem da leitura sobre a música de David Sylvian que Mathieu levara a cabo no álbum Wandermüde, remontando a seu bel-prazer as pistas de gravação do álbum Blemish, lançado por Sylvian em2003. A diferença é que Wandermüde resultou de um extenso período de trabalho, de quase um ano, enquanto Segunda Mão tem atrás de si um mês de imersão completa na música dos Mão Morta. Na música, enfim, não exactamente. “Estou a trabalhar muito mais sobre o som dos Mão Morta do que sobre a sua música”, explica.

Dois factores foram essenciais para a aceitação imediata de Stephan Mathieu deste desafio lançado pelo espaço GNRation. Ao actuar em Braga, no festival Semibreve, em 2011, e participar num debate no Mosteiro de Tibães, o músico confessou-se “tocado por este lugar”, elegendo o espaço como determinante para as suas escolhas musicais a partir da obra dos Mão Morta. Em complemento, não conhecendo de todo a sonoridade do grupo português, Mathieu aceitou a encomenda pela empatia criada com Luís Fernandes, programador tanto da sala GNRation como do Semibreve, e músico dos Peixe: Avião. “Mais do que a música, é importante gostar das pessoas que me convidam”, frisa Mathieu, “não querendo com isto diminuir o que há de muito especial na música dos Mão Morta”.

Um tesouro nacional
E como procedeu a partir desse momento? O primeiro instinto do alemão foi abrir o computador, observar vídeos dos Mão Morta e perceber o ambiente musical original, reconhecendo “as ligações ao rock experimental dos anos 80” para que fora avisado e percebendo de imediato que a não decifração das letras o poderia afastar do tom global da música. Mas assim que recebeu um disco rígido com quatro gigabytes de informação contendo todas as sessões de gravações dos três últimos álbuns de estúdio (Pelo Meu Relógio São Horas de Matar, Pesadelo em Peluche e Maldoror) dos Mão Morta, mais registos da última digressão, os ouvidos de Mathieu mergulharam rapidamente num labirinto quase infindável de pistas para cada instrumento.

Se de início Stephan Mathieu tinha pensado em deixar algumas fontes musicais reconhecíveis, à medida que foi seleccionando sobretudo guitarras e baixos a partir dos quais trabalhar, impôs-se um caminho mais abstracto, juntando instrumentos provenientes de canções diferentes. E de tal maneira se distanciou do original que não chegou sequer a ouvir os instrumentos no contexto da canção para que foram criados, isolando-os como fonte sonora e trabalhando a partir dessa matéria. “Pegando neste caldeirão de sons”, explica, “escolhi as partes que me diziam algo, e portanto pode acontecer estar a juntar guitarras de cinco canções diferentes.” Daí a sua incerteza relativamente à reacção do público. “Sei que estou a trabalhar com uma espécie de tesouro nacional e não quero que as pessoas odeiem o concerto e se perguntem o que fiz à sua banda.”

Basta talvez que não esperem ouvir os Mão Morta. Mas que entrem com a certeza de que algures, no meio dos sons ambientais produzidos por Mathieu, está algo da essência do grupo de Adolfo Luxúria Canibal.

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