Sociólogos querem “grande inquérito” às práticas culturais dos portugueses

Barreto Xavier apresenta hoje em Lisboa os resultados de mais dois estudos do Plano Cultura 2020.

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A realização de um grande “inquérito às práticas culturais” da população portuguesa e a elaboração de uma “cartografia cultural” do país, com um levantamento exaustivo dos equipamentos públicos e privados utilizados para fins culturais, são algumas das principais recomendações do estudo Mapear os recursos, levantamento da legislação, caracterização dos actores, comparação internacional, encomendado pelo secretário de Estado da Cultura e coordenado pelo sociólogo José Luís Garcia.

Os resultados deste estudo serão apresentados esta tarde em Lisboa, na Biblioteca Nacional, numa sessão que terá início às 17h30 e que incluirá ainda a divulgação das conclusões de um outro estudo – Fundos estruturais e a Cultura no período 2000-2020 –, este coordenado pelos geógrafos Isabel André e Mário Vale.

Ambos os estudos foram realizados no âmbito do Plano Cultura 2020, uma iniciativa que se propõe aperfeiçoar a fundamentação das políticas públicas neste sector, visando uma programação mais adequada dos fundos estruturais disponíveis para o período 2014-2020.

Promovido pelo secretário de Estado da Cultura em articulação com o Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais (GEPAC), o Instituto Financeiro do Desenvolvimento Regional (IFDR) e o Instituto Nacional de Estatística (INE), o Plano Cultura 2020 envolve uma dezena de estudos, encomendados a diversas universidades e empresas privadas, e resultará, espera a tutela, num “instrumento estratégico de grande importância”, que permitirá “uma reflexão sobre a cultura em todas as suas valências”. Dos 800 mil euros que o programa custará, 680 mil serão pagos pela União Europeia através do Programa Operacional de Assistência Técnica ao Feder.

Depois de um seminário organizado em Novembro no Porto, na Fundação de Serralves, durante o qual as várias equipas de investigadores envolvidas fizeram um ponto da situação dos trabalhos em curso, a Secretaria de Estado da Cultura (SEC) tem vindo a divulgar os resultados dos estudos já concluídos, como aquele que foi encomendado à empresa do ex-ministro da Economia Augusto Mateus – Indústrias culturais e actividades criativas e internacionalização da economia portuguesa –, ou o estudo sobre Cultura e desenvolvimento, desenvolvido por uma equipa da Faculdade de Economia da Nova, dirigida por José Tavares. As conclusões deste último aproximam-se das teses do professor italiano de Economia da Cultura Pier Luigi Sacco, segundo o qual vivemos um momento de transição para aquilo a que chama uma “Cultura 3.0”, promovida pelos novos conteúdos e ligações digitais, nos quais seremos todos simultaneamente utilizadores e produtores, espectadores e criadores, numa cultura que dispensará cada vez mais os mediadores tradicionais e que se dirigirá a audiências altamente segmentadas.

Mudança profundíssima

José Luís Garcia não tem dúvidas de que “estamos a viver uma mudança profundíssima”, que “o online está a absorver grandes áreas culturais”, e que “o mundo da cultura” está ser reorganizado, com “novos modelos de negócio que ainda não estão estabilizados” e “mudanças muito difíceis de estudar”. Mas disse ao PÚBLICO que não se revê nessa “espécie de capitalismo cultural” que lê no estudo coordenado por José Tavares, argumentando que as políticas culturais não podem ser “exclusivamente ditadas por directrizes económicas” e lembrando que “a inventiva de que necessitam” as actividades criadoras não são compatíveis com “quadros de constrangimento demasiado apertados”.

Admitindo que umas das discussões que subjaz a estes estudos, mesmo quando não assumida expressamente, é a questão de saber se as políticas culturais devem privilegiar projectos com potencial económico, Mário Vale parece situar-se um pouco a meio caminho entre Tavares e Garcia. Co-coordenador do estudo Fundos estruturais e a Cultura no período 2000-2020, realizado por uma equipa do Instituto de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa, Vale defende que o Estado deve apoiar o lançamento de indústrias criativas que possam criar valor económico, por exemplo nas áreas do design ou da moda, mas alerta que não quer “ver tudo quanto é empresa de design a ser apoiada e o património a cair aos bocados”. O ideal, defende, seria “modelar o tipo de ajuda, apoiando mais a fundo perdido quando estamos do lado do património e do identitário, e dar apoio supletivo, bonificação de juros, isenções fiscais, quando nos aproximamos do mercado”.

Talvez o principal problema prévio que se coloca a todos estes estudos, e que alguns afrontaram mais directamente do que outros, é o de saber o que deve hoje ser considerado cultura para efeitos das políticas públicas para o sector. Mário Vale defende um conceito inclusivo, que abranja as novas indústrias criativas, mas que também não ignore a dimensão cultural de actividades como o turismo ou, por exemplo, “a renovação urbana e a requalificação dos espaços públicos”.
O estudo levado a cabo pela sua equipa admite que a dispersão daquilo que tem dimensão cultural por diferentes programas e tutelas não tem apenas desvantagens, mas defende que “deve ser garantida uma entidade de gestão que garanta a coerência e relevância dos projectos culturais numa perspectiva integrada e abrangente”. Em certo sentido, um regresso à lógica do Programa Operacional de Cultura que existiu entre 2000 e 2006, mas agora sem qualquer expectativa de se vir a dispor de um instrumento semelhante. 

Já o estudo dirigido por José Luís Garcia, que envolveu investigadores do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa – e designadamente a sua equipa do entretanto desactivado Observatório de Actividades Culturais –, mas também investigadores doutras instituições, como o sociólogo João Teixeira Lopes, da Universidade do Porto, acentua a necessidade de a tutela da Cultura adoptar “sistemas de informação” centralizados e dotados de “meios organizativos e competências técnicas adequados”.

Nas suas “recomendações estratégicas”, considera ainda essencial a realização do referido “inquérito às práticas culturais”, que vá para lá do mero registo quantitativo e retrate mais detalhadamente o "recorte social" dos públicos. No capítulo das recomendações “operacionais”, uma das mais concretas é a proposta de que “cada instituição e equipamento construa uma ‘carta de missão de serviço público’”, que serviria não apenas para clarificação externa, mas também para sua própria elucidação.

Com dados que mostram que, em Portugal, os municípios sustentam já a maior fatia do investimento público em cultura, o estudo recomenda ainda “uma actuação concertada” da tutela com a “envolvente regional”, vendo nesta última “a grande oportunidade para a sustentabilidade das estruturas culturais portuguesas”.

 

 

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