Stonehenge tinha um irmão gémeo e uma “casa dos mortos”

Centenas de estruturas descobertas debaixo da terra numa vasta área em torno de Stonehenge sugerem que o icónico círculo de pedras integrou outrora uma extensa rede de santuários

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Alguns dos monumentos captados pelos radares
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Um veículo a fazer propecção em Stonehenge
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A “casa dos mortos” é um templo em madeira com 33 metros de comprimento e sete de largura
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Um esquema com os novos monumentos
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Stonehenge visto de cima

Durante quatro anos, uma equipa de cientistas usou técnicas de topografia com recurso a laser, magnetómetros e outras tecnologias recentes para estudar em profundidade o célebre sítio arqueológico de Stonehenge, na região de Wiltshire, no Sudoeste de Inglaterra. Conseguiram imagens de alta resolução do que está por baixo das pedras de Stonehenge, e à volta delas, em alguns casos até quatro metros de profundidade.

Os resultados desta investigação ultrapassaram todas as expectativas. Entre centenas de outras descobertas, a equipa revelou uma série de grandes estruturas até agora desconhecidas, em pedra e em madeira, e que permitem concluir que o icónico monumento pré-histórico esteve outrora rodeado de muitos outros monumentos de diversa dimensão e natureza.

Um dos edifícios agora revelado, e que já foi oficiosamente baptizado de “casa dos mortos”, é um templo em madeira, com 33 metros de comprimento e sete de largura, provavelmente usado para práticas de manipulação ritual de cadáveres, que incluíam desmembrar e descarnar os corpos. Os cientistas estão convencidos de que esta estrutura terá sido construída há seis mil anos, o que a tornaria muito mais antiga do que Stonehenge, cujas primeiras pedras terão sido erguidas há cerca de cinco mil anos.

Escavações recentes já tinham revelado vestígios de uma grande povoação neolítica em Durrington, a cerca de três quilómetros de Stonehenge, que dataria de 2600 a.C. O arquéologo João Muralha, que trabalhou nas escavações em Durrington em 2006, no âmbito de uma parceria entre investigadores portugueses e ingleses, explica que se trata de "um fosso escavado, que delimita um círculo no interior do qual se encontraram casas e outros vestígios de povoamento neolítico, datados do mesmo período de Stonehenge". Ou seja, resume, "uma área de habitação de populações que circulavam na planície, e que construíram estes monumentos, entre os quais Stonehenge".

O que a nova pesquisa veio revelar foi a existência de quase 60 pedras com três metros de comprimento cada uma, todas elas em posição horizontal (mas admite-se que possam ter estado outrora erguidas), que formam uma espécie de semicírculo rodeando parte do extenso sítio arqueológico a que agora se chama Durrington Walls. Uma espécie de irmão gémeo de Stonehenge.

Dirigida por Vince Gaffner, especialista de arqueologia paisagística da Universidade de Birmingham, a investigação, que envolveu cientistas de diversas disciplinas e foi promovida em colaboração com o Instituto Ludwig Boltzmann, de Viena, cobriu uma área de 12 quilómetros quadrados, equivalente a 1250 campos de futebol. Wolfgang Neubauer, do Instituto Boltzmann, assegura que nunca se realizara uma investigação deste tipo numa área tão extensa.

Durante os próximos dias, o público inglês ficará a conhecer o essencial dos resultados deste estudo num programa televisivo da BBC intitulado Operation Stonehenge: What Lies Beneath, cujo primeiro episódio é transmitido esta quinta-feira.

“A paisagem é uma totalidade, e não apenas um mapa”, sublinhou Vince Gaffner num festival de ciência organizado pela British Science Association na Universidade de Birmingham. Esta perspectiva levou, por exemplo, a novas descobertas no chamado Cursus de Stonhenge, uma depressão próxima, com três quilómetros de comprimento e uma largura que varia entre os 100 e os 150 metros, e que inicialmente se pensou datar do período romano, já que lembrava a pista de um hipódromo.

Na verdade, foi escavada cerca de 500 anos antes de terem sido erguidas as pedras vizinhas. E descobriram-se agora duas fossas que a rematam em ambas as extremidades, e que parecem confirmar a existência de uma relação entre a orientação do Cursus e a de Stonehenge, cuja edificação teria possivelmente sido condicionada por este monumento pré-existente. "Era uma das teorias de que se falava em 2006, mas sem dados concretos", conta João Muralha.

O longo intervalo de tempo entre ambas as construções indica que dificilmente terão sido planeadas como partes de um mesmo todo. Mas “as estruturas condicionam os construtores”, observa Gaffney. “Quando já existem coisas no local, outras coisas acontecem porque as anteriores estão lá”.

Além das muitas descobertas individuais, esta pesquisa veio sobretudo colocar definitivamente em causa a ideia de um Stonehenge erguendo-se enigmaticamente isolado na paisagem. É cada vez mais claro que Stonehenge, que há séculos alimenta as mais desvairadas especulações, foi apenas um momento numa história que começou antes da construção do misterioso círculo de pedras e que abarca uma área muito mais vasta. "É uma área intensamente ocupada, antes e depois da construção de Stonehenge", diz João Muralha.

 

Notícia corrigida para alterar o nome do arquólogo João Muralha, erradamente referido como Jorge Muralha. Pelo lapso, as nossas desculpas ao visado e aos leitores.

 

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