Sair para a rua

Os livros também nos manipulam mas deixam maior margem de manobra para a nossa imaginação. Sentimos que estamos a completá-los.

Quando se passam alguns dias só a ler ficção e vai-se ver um filme é difícil entrar nele, mesmo quando o filme não é mau.

O filme parece completamente exterior a nós. Não podemos controlar a velocidade dele. Não podemos parar para pensar no que lemos.

Mesmo em casa ter de parar o filme e parar ou voltar atrás para rever uma cena é físico de mais, exigindo gestos. Parar de ler ou reler uma ou duas linhas é pacífico, sem descontinuidade.

Os livros também nos manipulam mas deixam maior margem de manobra para a nossa imaginação. Sentimos que estamos a completá-los. Os filmes podem ver-se de maneiras diferentes mas não se podem ler. É infeliz que se fale em "leituras" de um filme ou de uma pintura ou de uma peça de música.

Não se pode olhar para um livro de ficção como se olha para um filme. Só se pode olhar para os livros que não conseguimos ler: por serem maus, por serem numa língua desconhecida, por terem fotografias.

Os filmes são trabalhados de mais, por pessoas de mais a trabalhar em equipa. Os personagens são interpretados por actores. É uma visão concreta de mais para quem prefere pensar e imaginar e reagir emocionalmente sem ver nada.

Fica-se reaccionário quando se vai para um filme depois de uma semana de bons romances em que cada um passa de uma pessoa (a escritora) para outra pessoa (a leitora) sem mais nada, sem barulho, sem movimentos, sem mais ninguém.

Voltar aos filmes é voltar a ser público. É como sair para a rua.

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