Queremos Mein Kampf como leitura obrigatória nos liceus?

A ministra da Educação alemã defende que as escolas não podem continuar a ignorar uma obra hoje disponível na Internet. Goethe e Schiller vão dividir espaço com Adolf Hitler já em 2016?

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Uma edição de Mein Kampf de 1940 fotografada este ano em Berlim Fabrizio Bensch/REUTERS

Foi na véspera de Natal, num artigo no jornal Passauer Neue Presse: “Em vez de permitir que o encanto do proibido cative os jovens, é muito melhor que os alunos conheçam o texto pela mão de professores de História e Política”, defendeu Johanna Wanke. A ministra alemã da Educação referia-se a Mein Kampf (A Minha Luta), o opus maldito de Aldof Hitler. E o reacender da polémica não se fez esperar, com a comunidade judaica a manifestar-se de imediato. Mas e se Mein Kampf passar de facto a leitura obrigatória para os alunos dos últimos anos dos liceus alemães já em 2016, como defende a ministra?    

Em 1945, com a vitória dos Aliados, o fim da II Guerra Mundial, a queda do III Reich e o suicídio de Hitler, os direitos de Mein Kampf ficaram nas mãos do governo regional da Baviera. Quando as tropas americanas ocuparam Munique, a Franz Eher, a mais importante editora Nazi de livros e jornais, foi desmantelada e a Baviera não permitiu que os direitos desta obra transitassem para os herdeiros do autor. A estratégia era não permitir o lucro com reedições do manifesto nacionalista, totalitarista, racista e anti-semita em que se concentrava a máquina teórica por detrás do  Holocausto.

De facto, ao longo dos últimos 70 anos Mein Kampf manteve-se como livro proscrito – foi autorizada apenas a publicação de excertos para fins pedagógicos. Pontualmente, e por todo o mundo, foram surgindo edições clandestinas. Mas sempre houve quem defendesse que urgia dar Mein Kampf a ler como forma de desmantelar a sua aura e mostrar uma obra que era afinal de baixa estatura, tanto narrativa quanto teórica. Agora, com o fim de 2015 e os direitos do livro a entrar no domínio público, é precisamente o que vêm defendendo editores de vários países, Alemanha e Portugal incluídos.

Em Portugal, a edição da E-Primatur com introdução do politólogo António Costa Pinto já está disponível. Na Alemanha, o princípio de 2016 assistirá ao lançamento da monumental e polémica edição do Instituto de História Contemporânea de Munique (IHCM), uma obra em dois volumes, como a original, mas com duas mil páginas e cerca de cinco mil entradas de notas e comentários, resultado de nova investigação académica. É, precisamente, a edição que Johanna Wanke e a Associação de Professores alemã propõem que passe a leitura obrigatória. Bastando agora, para a medida ser aplicada, que se veja aceite pelas autoridades escolares e o Governo.

A leitura crítica deverá servir para “imunizar a juventude alemã contra o extremismo político”, defende Josef Kraus, o presidente da Associação de Professores, citado pelo diário espanhol El País. “As escolas não podem continuar a ignorar o livro porque os adolescentes encontram-no na Internet”, acrescenta. Já Johanne Wanke reconheceu que os estudantes terão dúvidas, mas defendeu que é “bom” que as possam esclarecer com especialistas e colegas. “A edição crítica do IHCM tem como fim contribuir para a educação política e está escrita em conformidade e para que possa ser entendida pelo grande público”, assegurou a ministra.

A comunidade judaica alemã tem manifestado outra perspectiva, temendo que se ajude apenas a difundir o pensamento de Hitler. Já Noah Gottschalk, um estudante entrevistado pelo El País, tem outras preocupações: “A ideia de que Adolf Hitler regresse às aulas deve ser discutida amplamente e não ser aprovada nos labirintos do poder. O meu tempo é demasiado valioso para ter Hitler como leitura obrigatória.”

O mesmo joven questiona se Goethe, Schiller e outros grandes escritores e poetas alemães terão de ceder espaço e tempo ao Führer, como acontecia no tempo de vida deste, quando Mein Kampf se tornou num ignóbil bestseller – cerca de 12 milhões de cópias vendidas. 

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