300 artistas do Bolshoi escrevem a Putin a pedir inquérito imparcial

Carta enviada ao presidente russo questiona inquérito feito pela polícia que levou à prisão de um elemento da companhia de ballet russa.

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Pavel Dmitrichenko REUTERS/Maxim Shemetov

Ninguém, a não ser a polícia, parece acreditar que o responsável é Pavel Dmitrichenko, o bailarino de 29 anos que desde a semana passada se encontra detido sob a acusação de a 17 de Janeiro ter mandado atirar ácido sulfúrico à cara de Sergei Filin, o director artístico do Teatro Bolshoi. Esta terça-feira mais de 300 artistas do Bolshoi assinaram uma carta dirigida ao presidente da República, Vladimir Putin, exigindo a abertura de um "inquérito imparcial" que determine as causas, e o culpado, do ataque a Filin. No comunicado, citado pela agência AFP, os signatários exigem “o apuramento das causas que levaram a esta tragédia”.

“Para aqueles que conhecem Pavel Dmitrichenko, a ideia de que [ele] possa ser o instigador e mandante de um crime é absurda. Conhecemos Pavel há anos, tem um temperamente vivo, é franco e directo, mas é uma pessoa boa e honesta”, escrevem ainda, acrescentando que “as diferenças de fundo quanto à política artística e à gestão do pessoal nunca saíram de um âmbito legal”.

Os elementos do Bolshoi falam ainda de “conclusões precipitadas” por parte dos investigadores, e de “provas inconclusivas” produzidas na sequência “das duras pressões a que [Pavel Dmitrichenko] foi sujeito”. Um bailarino, citado pelo jornal Moskovsky Komsomolets que pediu anonimato por ter sido avisado pela polícia de que não deveria falar com jornalistas, disse que Dmitrichenko esteve detido 48 horas sem a assistência de um advogado e sem que lhe fosse oferecida uma refeição. Na carta agora divulgada, que também foi entregue ao Governo, presente na direcção do Bolshoi através do Ministério da Cultura russo, escreve-se ainda: “Infelizmente, a história do nosso país já conheceu vários exemplos de resultados obtidos através de métodos ilegais e de provas que se mostraram falsas.”

Esta carta é apenas mais uma das denúncias feitas nos últimos dias por vários nomes ligados ao Bolshoi. No domingo, 10 de Março, o director do teatro, Anatoly Iksanov, deu uma entrevista à televisão Rossia 1 dizendo que o ataque a Filin era mais um incidente na senda de “uma campanha orquestrada contra o Bolshoi”, e onde se incluiam o hacking de contas de e-mail – como aconteceu com o director artístico – e ameaças contra os artistas.

Ao jornal Le Figaro, a assessora de imprensa Katya Novikova rebatia as provas da polícia: “Há outras questões em causa. Desde há alguns anos, alguém anda a tentar desestabilizar a direcção do Bolshoi.” Não negando a responsabilidade de Dmitrichenko, Novikova perguntava: "Quem enviou, em Maio de 2011, e-mails juntando a sigla do Bolshoi a imagens pornográficas de Gennady Yannin, para sabotar a sua nomeação como director?” Yannin acabaria por resignar, após as imagens que começaram a circular na Internet o mostrarem em actos sexuais com outros homens. “Quem acusou Anton Getman, director adjunto do teatro, de se deixar corromper por trocas de favores pelas digressões do Bolshoi. Quem pirateou a página privada de Facebook de Sergei Filin dias antes do ataque com difamações sobre a sua gestão e sobre os bailarinos?”

Às críticas, o Ministro do Interior reagiu, segundo a agência Interfax, reafirmando a confiança “nos profissionais da polícia que fazem o seu trabalho de forma honesta”. De acordo com a agência Interfax, a polícia havia assegurado numa reunião com direcção que as informações que confirmavam a culpabilidade de Pavel Dmitrichenko eram seguras. A confirmação dessa reunião aos jornalistas foi feita por Nikolai Tsiskaridze, precisamente o solista sobre o qual recaem as principais suspeitas de ter sido o verdadeiro mandante do ataque.

Tsiskaridze criticou diversas vezes Filin por má gestão, tendo sido também seu rival na corrida à direcção do teatro. As críticas já lhe tinham valido uma ameaça de processo por difamação, intentado por Anatoly Iksanov. Este director tem defendido, desde o início do processo que Tsiskaridze, que é mentor de Dmitrichenko e da sua namorada, a bailarina Anzhelina Vorontsova, terá responsabilidades no ataque a Filin.

A advogada de Filin, Tatiana Stoukalova, citada pela agência Interfax, acusou o teatro de ter lançado uma campanha de pressão sobre os investigadores. “Não compreendo a posição do teatro. Esta situação é vantajosa para aquele ou aqueles que queriam proteger Dmitrichenko para que este não os denuncie”. O director artístico acrescentou, em entrevista à Rossia 1, que Dmitrichenko “faz parte de um círculo restrito de pessoas que me mostraram inimizade e se permitem [fazer] ameaças [a meu respeito]”. Mas acrescentou ainda que suspeita “de que alguém o levou a isso”.

Entretanto, a polícia descobriu também que uma das testemunhas que foi a tribunal depor, o bailarino Batyr Annadurdiyev, se demitiu da companhia depois de se ter provado que havia espiado, juntamente como Dmitrichenko, o director do Bolshoi, Sergei Filin, de um carro num parque de estacionamento perto do teatro. A revelação, segundo o tablóide Life News, com ligações directas à polícia, foi feita pelo próprio Dmitrichenko à equipa de investigadores. O mesmo jornal revelou que o motivo de Dmitrichenko para atacar Filin terá sido “inimizade pessoal, ligada a questões laborais”.
Especula-se se essas razões estarão relacionadas com a recusa de Filin em permitir que Anzhelina Vorontsova dançasse o papel principal em Lago dos Cisnes por, alegadamente, ser demasiado gorda para o papel, mas, perante o tribunal, o bailarino recusou-se a comentar, falando apenas de casos de corrupção relacionados com distribuição de papéis, digressões e comissões de júris de bolsas.
 
 
 
 
 

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