Que se passa no São Luiz Teatro Municipal?

Não se percebe este impasse e importa pôr-lhe cobro.

A EGEAC, empresa municipal de gestão dos equipamentos artísticos e culturais de Lisboa, tem cumprido, de uma maneira geral, um muito bom trabalho. No caso do teatro, as personalidades distintas e complementares do Maria Matos e do São Luiz são disso mesmo tradução. É algo que se regista e saúda, pesem as opções artísticas de programação, que são sempre questionáveis. E se não fossem questionadas estas, seriam as dos que as criticam por estes que fazem estas. Isso é assim mesmo.

O que se implica na pergunta feita título deste artigo é justamente um estranho e preocupante impasse na resolução de um buraco administrativo com o São Luiz Teatro Municipal. Sobretudo quando o Presidente da EGEAC, com o rasto da qualidade deixada atrás desse trabalho, cessa o seu mandato e se transfere para a administração do Teatro Nacional Dona Maria II. O vazio existente – não do ponto de vista administrativo na EGEAC, resolvido com a nomeação de um substituto -, mas estratégico em termos artísticos para o São Luiz levanta apreensão e impõe medidas quanto antes. Tanto mais que, de par com o vazio estratégico, a missão se encontra adulterada por ocupações pontuais incompatíveis com o próprio caderno de encargos do concurso. Quando não, em nome do pragmatismo e da necessidade, pode acontecer a nomeação de alguém dos serviços, sem perfil reconhecido para tal: ou a inércia actual e a navegação à vista consumada ela mesma em prática continuada, desvirtuando o carácter do espaço.

Abertos concursos para a direcção artística para os citados Maria Matos e São Luiz, o processo do primeiro culminou a tempo e horas com a recondução do seu director, mediante um concurso, facto que, sinceramente, até parece desnecessário por excesso de zelo. Quero dizer: se o princípio do concurso público apresenta algumas vantagens sobre o das nomeações (as quais até para o próprio nomeado criam as dificuldades e desagradável situação de poderem lançar-se sempre suspeições mais insidiosas, mesmo se não há razão para isso), a verdade é que também não é justificada a abertura de um concurso para cumprir procedimentos, sobretudo se e quando a avaliação do mandato cessante determina o desejo, legitimo, da sua continuidade, desde que não eternizável. O que, no caso do Maria Matos o não é, de facto, e aceita-se sem rebuço.

Por isso mesmo, mais estranheza e preocupação causam o que se não passa – e o que se passa - no São Luiz. Do concurso simultâneo decorreu uma apreciação do júri de que nenhuma das candidaturas estaria em conformidade com os objectivos e/ou condições curriculares desse mesmo concurso. Assim sendo, seria de esperar uma rápida resolução do tal vazio que gerou e não a uma programação casual que se transforme em regra. Várias soluções seriam possíveis, embora, neste caso, menos transparentes que não as de um novo concurso público. Desde logo porque não concorreu o director cessante e se prefigura a necessidade-inevitabilidade de reconduzir o projecto em função de um cunho personalizado de distinta dinâmica, como acontece nestas coisas. Foi aliás o que aconteceu na anterior transição sem perda da manutenção da matriz identitária que a EGEAC quis atribuir ao espaço. E o caso torna-se mais bicudo, quando é sabido – e a EGEAC e própria vereação sabem – que existem novos candidatos à espera do novo concurso.

Por isso, não se percebe o impasse. Mas mais do que não perceber, preocupa o perigo de uma decisão que deve veicular um compromisso cultural e artístico num dos mais importantes equipamentos culturais da cidade, acabar, como se disse, com uma resolução administrativa ou o arrastamento da irresolução. Ainda que formalmente possa isso aparecer nas margens da legalidade, tal facto seria culturalmente incompreensível e susceptível de levantar as maiores suspeitas de alguma perversidade contida. Porque, sobretudo na máquina administrativa pública (central ou autárquica), todos sabemos que, muitas e muitas vezes, é o expediente de deixar apodrecer uma situação que se usa para levar a cozinhar uma solução que, de outro modo, seria visivelmente desajustada e passível de algum escândalo. Seja ela proactiva ou simplesmente a do deixa andar.

A este impasse importa pôr cobro e, se outro recurso não há, que seja o próprio presidente, António Costa, a tomar transitoriamente em mãos o dossiê para que o reconduza à normalidade. Um teatro e o teatro não terão a importância de um bairro social e da habitação, mas não são coisas de lana caprina. A política cultural (e no que de bem-sucedida até hoje, mais o evidencia) também é um termómetro da eficiência da gestão tout court da coisa pública. E um fiel retrato do substrato em que se apoiam as demais políticas. Demais, se a cultura não é uma prioridade material, cada vez mais configura-se sê-lo imaterialmente. Até porque à crise financeira se sobrepõe uma crise bem mais real e daquela motivadora: a de uma sociedade com a ética em destroços.

Encenador

 

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