Quantas caras temos?, pergunta um coro de 100 amadores

Novo espectáculo do grupo Outra Voz estreia-se este sábado em Guimarães, com encenação de António Durães e colaborações de José Mário Branco, Mão Morta, Fernando Ribeiro e Rodrigo Areias.

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Marco Duarte
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Encontrámos 35 pessoas à volta do piano e uma frase que se repete: “Quem vê caras, não vê corações”. A canção vai em crescendo, tornando cada vez mais evidente o contraste entre as vozes dos homens e das mulheres que compõem este grupo. Atrás das teclas, João Guimarães, um dos ensaiadores da Outra Voz, parece satisfeito. “Está quase, quase perfeitinho”. Este é um dos últimos ensaios antes da apresentação de Duas Caras, o novo espectáculo que o coro comunitário de Guimarães estreia este sábado, e as vozes estão perto do ponto desejado pelos mais de 25 profissionais com quem têm trabalhado no último ano e meio.

A canção que o grupo ensaia foi construída por José Mário Branco, à volta do dito popular “Quem vê caras, não vê corações”. Durante o espectáculo, as palavras e a música do cantor e compositor vão emparelhar-se com o trabalho do cenógrafo Fernando Ribeiro. Será sempre assim ao longo dos dez quadros que compõem este espectáculo, com a conjugação de uma canção e uma obra visual em torno de uma frase tradicional. Por exemplo, Adolfo Luxúria Canibal escreveu à volta de “Cara de um, focinho de outro” e os seus Mão Morta fizeram a música, que vai andar lado a lado com uma projecção de um filme feito em super 8 pelo realizador Rodrigo Areias. Também haverá música de Amélia Muge e Fernando Lapa, por exemplo, ou obras do ilustrador Arlindo Fagundes.

Ao todo, são 25 artistas que colaboram no novo espectáculo deste grupo comunitário criado durante a Guimarães 2012. A estrutura acabou por ter uma vida para lá desse evento, mantendo uma actividade regular, com ensaios semanais em cinco locais diferentes do concelho e um grupo composto por mais de 100 vozes. Desde o final de 2012, têm feito cerca de uma dezena de apresentações por ano. Desta vez, sentiram que chegara a altura de fazer algo “mais arrojado”, explica o coordenador artístico do projecto, Carlos Correia.

A inquietação base deste espectáculo é esta: quantas caras podemos ter? E o que se constrói é “um museu de todas as caras humanas”, diz Correia. Se a pergunta final é universal, o ponto de partida para este trabalho foi uma lenda local. Duas Caras é o nome de uma estátua com o mesmo nome que encima o edifício medieval dos antigos Paços do Concelho, no centro histórico. A lenda vimaranense diz que, durante a conquista de Ceuta, os habitantes locais tiveram que acorrer a uma das frentes, abandonada pelas gentes de Barcelos, tendo conseguido garantir o triunfo na batalha. A versão “forasteira” é menos simpática para quem é de Guimarães e faz considerações pejorativas sobre o seu carácter, as suas duas caras.

“Esse foi o primeiro verso. A partir daí à procura das caras nos ditados populares e foi a partir deles que os artistas que convidamos criaram as peças a partir das quais se desenvolve o espectáculo”, conta António Durães, que encena Duas Caras e é ainda autor da dramaturgia. As canções fazem o “fio da meada do espectáculo”, mas há também obras visuais e um outro elemento importante: o espaço onde a criação será apresentada. A criação da Outra Voz estreia-se este sábado (21h30), na vila de Lordelo e será apresentado, nos três sábados seguintes, em outras tantas freguesias da periferia de Guimarães. A primeira apresentação tem lugar num pavilhão de antiga fábrica têxtil Cortave e as restantes sessões acontecem sempre em lugares inusitados, como uma antiga oficina de automóveis, em S. Torcato, dentro de uma semana, ou instalações fabris abandonadas, em Pevidém e Santo Estevão de Briteiros.

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