Quando a arquitectura provoca o design de moda

A marca sueca COS convidou o atelier Snarkitecture para criar uma instalaçao no Salone del Mobile em Milao. Um oasis branco algo solene que também é para crianças. E selfies.

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A instalação que o artista Daniel Arsham e o arquitecto Alex Mustonen levaram para Milão pelas mãos da COS
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Uns vão contra as paredes, outros mantêm-se no percurso delineado. Os visitantes do mais importante evento de design de produto do mundo seguem ou não as regras traçadas quando chegam a esta instalação. Que também é uma loja. Em pleno Salone del Mobile de Milão, um oásis no frenético bairro de Brera, suga-nos para um espaço completamente branco onde um céu de tecido pende do tecto às fatias. Em alguns locais, as fatias tornam-se paredes. A instalação do atelier Snarkitecture para a marca de vestuário COS substitui desfiles e campanhas publicitárias e as pessoas vêem-se ao espelho, fotografam-se, perdem-se, relaxam.

Mergulham. O Salone é um gigante tranquilo que se foca em expositores, negócio e feira profissional. Durante a semana de Design de Milão, o Fuorisalone serve de contrapartida igualmente agitada mas que se faz de grandes e pequenas exposições, muitas iniciativas especiais de marcas e colaborações, muitas portas abertas dia e noite, copos a girar, cumprimentos e informação para mais tarde recordar. No ano passado, só o bairro de Brera e os seus eventos receberam mais de 140 mil visitantes. É lá que encontramos a COS, marca de vestuário sueco de traço conceptual bem vincado que no Verão passado abriu a sua primeira loja em Lisboa. Que é muito do design, mas também da arquitectura, ou das artes plásticas.

Com oito anos acabados de cumprir, está pela quarta vez em Milão com convidados que criam instalações que, segundo uma das directoras criativas da COS, Karin Gustafsson, lhe interessam a si ou aos clientes que usam um vestido de corte certeiro e linguagem intemporal que ela criou; ou que calçam um par de sapatos masculinos sem logotipos e ainda assim distintivos, como aqueles que foram desenhados pelo seu correligionário Martin Andersson. Acreditam que criadores e clientes pertencem todos ao mesmo público-alvo, têm as mesmas preocupações.

Ela é responsavel pela colecção feminina da COS, ele pela masculina, e são ambos admiradores dos nova-iorquinos Snarkitecture, que se movem entre os terrenos da arquitectura, do design e das artes plásticas.

Convidaram-nos para suceder ao britânico Gary Card, aos franceses Bonsoir Paris ou aos japoneses Nendo. Para jogar. Levando a roupa para a dimensão espacial, tirando-a do corpo. O artista Daniel Arsham e o arquitecto Alex Mustonen, co-fundadores dos Snarkitecture, dizem não ter ideias feitas sobre as potenciais experiências dos visitantes que, entre terça-feira e até ao final do dia deste domingo, entraram na sua caverna branca. Mas gostariam de ver ali crianças a brincar e a explorar — “Estamos sempre a pensar nas crianças e no que fariam”, diz à Revista 2 Daniel Arsham.

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Martin Andersson e Karin Gustafsson, da COS, com Alex Mustonen e Daniel Arsham, do Snarkitecture COS

Quando estivemos em Brera, elas ainda não tinham descoberto aquele novo e efémero playground que desagua numa pequena loja temporária da COS com pouco mais de três dezenas de peças que dialogam com a instalação dos Snarkitecture — e que se inspiraram exactamente na colecção de Verão que está já nas lojas. Arsham, na sua voz baixa e óculos redondos, queria que este projecto fosse “um sítio de descanso para as pessoas”. Porém, não contém o riso e vira-se para o sócio Alex, o mais alto e tonitruante dos dois — afinal “é decididamente um sítio em que as pessoas querem fotografar-se”, ri. Além de ser um projecto COS, de moda, de imagem, é também uma oportunidade cromática, interpreta Mustonen. “Estar num espaço tão puro e feito de um só material é uma ocasião rara e tudo parece amplificado. O contraste com o ambiente que rodeia as pessoas, quando se vêem naquele branco, é algo muito forte e há a compulsão de partilhar isso — o que hoje significa tirar um selfie ou instagramar.”

O material é tela de algodão perfurada, mais de cem mil metros em tiras que pendem do tecto em diferentes comprimentos organizados. Ondulam, colam-se-nos ao cabelo com a electricidade estática, escondem recantos com espelhos ou bancos para conviver. Um espaço que roça o asséptico mas cujo espírito de caverna apela ao primitivo instinto da exploração. Depois de os Nendo, por exemplo, terem trabalhado em 2014 a camisa branca, peça-simbolo de simplicidade e um dos básicos mais digeridos pela marca sueca, os Snarkitecture queriam algo igualmente “básico, elementar, a forma mais reduzida e comum de tecido”, sussurra Daniel Arsham. Que abafasse o som, que fosse translúcido.

“Foi algo que vimos na colecçao da COS — muito do trabalho que fazemos é pegar em coisas assim, (em conceitos) como perfuração ou translucidez e abstraí-los ou reduzi-los”, explica Alex enquanto mais uns visitantes tacteiam pela instalação, uns mais ruidosos, outros mais silenciosos, mas todos bastante solenes. A roupa que os americanos viram no atelier londrino da COS — “Foram muito tácteis, inspeccionaram os tecidos”, lembra Martin Andersson — passou do contexto do vestuário para um ambiente arquitectónico sob a forma de altos e baixos milimetricamente rectangulares que nos envolvem ou nos guiam. Sentimo-nos “imersos, quase uma sensação de gravidade invertida que tem a ver com a altura e a proporção” das diferente zonas, descreve Karin Gustafsson.

E a ligação de arquitectura e arte ao design de moda cumpre-se assim, com Martin Andersson encantado por ver reflectida na instalação as conversas que teve com Gustafsson sobre “dramatismo silencioso” a propósito da actual colecção. “Quando entramos [na instalação] quase sussurramos, mas a escala dá-lhe o tal drama”, regojiza-se.

Mais uns selfies, algumas perguntas sobre a roupa e o rubor da Primavera milanesa sempre a contrastar com a calmaria branca do interior do Spazio Erbe. Os Snarkitecture têm apenas seis dias para apreciar e ver morrer este seu projecto. Dividem-se cada vez mais entre a arquitectura convencional de edifícios, projectos demorados, e as intervenções efémeras, de concretizaçao rápida, retirando de ambas ritmo e informação que contamina tudo o que pensam. Definem-se por “fazer a arquitectura fazer o inesperado”, explica Alex Mustonen, pensando muito na forma como as pessoas a experienciam. “Queremos que uma criança tenha o mesmo nivel de apreciaçao ou de significado sobre o nosso trabalho que um critico de design.”

A Revista 2 viajou a convite da COS

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