Prémio Camões 2014: um apaixonado por África que duvida ser poeta

No discurso em que aceitou o prémio, o africanista brasileiro Alberto da Costa e Silva admitiu que, muitas vezes, pensa no poeta português "com inveja" quando escreve.

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Alberto da Costa e Silva tem 83 anos e uma vasta obra como historiador, ensaísta e poeta

O poeta, historiador e diplomata brasileiro Alberto da Costa e Silva declarou na noite de quarta-feira a sua paixão por África quando recebeu o prémio Camões 2014, entregue no Rio de Janeiro pelo secretário de Estado da Cultura português, Jorge Barreto Xavier.

Bem-humorado, o homenageado, de 83 anos, escolhido por unanimidade pelo júri, iniciou o seu discurso agradecendo aos que decidiram atribuir-lhe o prémio e também "aos que não contestaram a decisão".

"Embora convicto da injustiça dos prémios, recebo-o com alegria e um grande abraço", afirmou.

Modesto, o diplomata aposentado e membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), chegou a colocar em dúvida o seu título de poeta - pese os dez livros de poemas publicados ao longo da vida - dando maior ênfase à sua trajectória como historiador e, sobretudo, como estudioso do continente africano.

"Poeta quis ser e agora consolo-me com esse prémio dizendo-me que fui poeta e, quem sabe, sou", brincou, para então falar da sua paixão por África e de todo o esforço que dedicou ao estudo do continente.

"Cedo voltei-me para a história, apaixonei-me pelo traçado da África e a ele dediquei as horas, quase sempre cansado, que me sobravam de um ofício de diplomata que sempre me cobrou total devotamento, a que me dei com interesse e gosto", disse.

Para além da poesia, o lado de ensaísta e de historiador de Costa e Silva deu origem a importantes escritos sobre a cultura africana e a sua influência no Brasil, entre eles A Enxada e a Lança - A África antes dos Portugueses, As relações entre o Brasil e a África Negra e Um Rio Chamado Atlântico.

O homenageado relembrou ainda a trajectória do poeta português Luís de Camões, que dá nome ao prémio, admitindo muitas vezes ter refletido sobre ele quando tentava entender e narrar histórias africanas.

"Pensei nele [Camões] com insistência e inveja muitas vezes quando escrevia, sobretudo sobre a África índica, e sentia em mim um conflito do facto, romance, e mito", afirmou.

Segundo Costa e Silva, o poeta português foi também um "historiador à sua maneira ", ao fazer um bom "matrimónio da memória com a imaginação".

Foram muito os que se sentaram na plateia do auditório Machado de Assis, na Biblioteca Nacional brasileira, no centro do Rio de Janeiro, para ouvir o africanista, entre familiares, amigos e diversos autores "imortais" (membros da Academia Brasileira de Letras).

"O Alberto é um desses tesouros que dividimos com Portugal e com África, é um intelectual da maior importância. É um pouco o intelectual que descobriu a África para nós, brasileiros, e mostrou que, na verdade, é tudo uma coisa só", disse o escritor brasileiro Zuenir Ventura.

O secretário de Estado da Cultura português, Jorge Barreto Xavier, invocou no seu discurso de homenagem a importância do "triângulo amoroso" entre Brasil, África e Portugal e a necessidade de se valorizar e celebrar essa relação.

"Não há ninguém nesta sala, nesta nossa casa, nesta nossa língua, que diga que não triangulamos um caso amoroso, que eu gostava de ver mais celebrado", sublinhou o SEC.

O prémio Camões foi criado em 1988 pelos governos de Portugal e do Brasil e desde então tem premiado anualmente escritores de língua portuguesa pela sua contribuição para o idioma e a cultura lusófona.

Entre os autores que já receberam este prémio estão o moçambicano Mia Couto (2013), o brasileiro Dalton Trevisan (2012) e o português Manuel António Pina (2011).

 

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