Porto, capital do turismo zapping?

Ciclo de conferências no Museu Nacional Soares dos Reis começou a debater a Capital Europeia da Cultura – 15 anos depois.

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Festa de encerramento da Porto 2001 Marco Maurício
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Manuela de Melo Fernando Veludo/ NFactos
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Nuno Grande Martin Henrik
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Álvaro Domingues Adriano Miranda
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O Porto a arder, na "visão" de Álvaro Domingues DR
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A nova movida portuense Paulo Pimenta
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Obras da Casa da Música Paulo Ricca

O Porto e a região noroeste do país estão a precisar de um novo Porto… 2017, ou 2018; é urgente debater o que é que a cidade quer do turismo; a zona oriental pode ser um laboratório importante para o futuro... Estas foram, em síntese, as principais notas deixadas no final da primeira sessão do ciclo de conferências Porto 2001 – 15 anos depois, que terça-feira à noite se realizou no Museu Nacional Soares dos Reis (MNSR).

Na abertura da sessão, Álvaro Sequeira Pinto, presidente dos Amigos do MNSR, responsável pelo lançamento da iniciativa que é comissariada por Manuel de Melo, distribuiu uma publicação que é simultaneamente o catálogo do ciclo, com a apresentação dos seus intervenientes até Maio do próximo ano, e um caderno de notas para apontar as ideias saídas de cada encontro. “O Porto merece uma reflexão virada para o futuro”, disse o também líder do Círculo Dr. José de Figueiredo.

E se é verdade que a parte maior das três intervenções – Nuno Grande, Paulo Sarmento e Cunha e Álvaro Domingues – foi ocupada com a recordação daquilo que foi a Capital Europeia da Cultura (CEC) nesse ano de 2001 em que o tempo do Porto sofreu uma aceleração, como referiu o geógrafo, também ficaram alguns recados e desafios que os assistentes que quase lotaram o auditório do MNSR puderam inscrever no seu caderno de notas.

Um deles foi a necessidade de o Porto recuperar o espírito que presidiu à CEC para enfrentar os novos tempos e os novos desafios. “Na Porto 2001, o mais importante foi o exemplo metodológico, que levou a articular instituições várias, pô-las a debater e a intervir na cidade”, disse Nuno Grande – responsável, na CEC, pela área Cidade e Arquitectura – que, já no final da sessão, insistiu na necessidade de o Porto “voltar a trabalhar em rede, suprindo os egos, a competição e as sobreposições” dos responsáveis pelos diferentes organismos e poderes. E defendeu, como outros intervenientes na sessão, a necessidade de apostar agora na zona oriental da cidade.

Paulo Sarmento e Cunha, que foi responsável pela gestão e controlo financeiro das empreitadas de intervenção no espaço público, elencou “o trabalho gigantesco” que então foi realizado, os conflitos com os comerciantes e a sua associação liderada por Laura Rodrigues, e também com a população que diariamente protestava perante o incómodo dos trabalhos na rua – e acompanhou a sua intervenção com a exibição do documentário realizado por Catarina Mourão, Próxima Paragem, na perspectiva do utente de uma carreira de autocarros nesse ano de todas as obras.

Actual morador na Baixa portuense, Sarmento e Cunha, que agora é director-geral da Casa da Música, testemunhou a dificuldade de coabitar, hoje, com a turistificação acelerada do centro urbano. “O futuro da cidade não pode passar só pelo turismo”, disse, no final.

A questão do turismo dominou, de resto, a intervenção do geógrafo e professor Álvaro Domingues – co-autor, com Manuela de Melo, do projecto da candidatura portuense a CEC –, que depois de recordar o lugar do Porto na história, na geografia e na economia, caracterizou o tempo actual como de “turismo zapping”, referindo-se às estadias curtas e low-cost proporcionadas pela Ryanair, e de “dysneificação”, ilustrando a sua intervenção com sugestivas colagens de imagens e ícones da cidade.

“Há agora mais luz, mais espectáculo, mais optimismo; e há uma nova máquina de fazer cidade”, disse o autor de A Rua da Estrada, alertando para os novos desafios que esta situação apresenta. “Isto provoca extremos que apelam à cidadania: que cidade é que queremos no futuro?”, perguntou-se Domingues, parodiando também em imagens as posições extremas daqueles que acham que o turismo vem destruir o património, “por isso é preciso congelá-lo”, ou que “vai tudo arder” no fogo da lâmpada de Aladino...

A reabilitação que nos últimos anos se vem realizando no centro urbano “foi conduzida quase exclusivamente pela lógica do mercado”, que aposta no turismo residencial e deixa à margem as necessidades da população, realçou Nuno Grande, que criticou a política autárquica do ex-presidente da Câmara do Porto, Rui Rio. “Foi como deitar fora o bebé com a água do banho”, criticou o comissário da presença portuguesa na Bienal de Arquitectura de Veneza, lamentando que todo o trabalho realizado ou preparado pela equipa da Porto 2001 com vista à requalificação da habitação tenha sido desprezado durante mais de uma década.

Já no final da sessão, e da plateia, Teresa Lago – que no final de 1999 substituiu Artur Santos Silva na presidência da Sociedade Porto 2001 – pegou no repto que tinha sido lançado por Álvaro Domingues de que o Porto terá de “olhar para o parceiro do outro lado do rio” para abordar o futuro e enfrentar a situação criada pelo recente boom do turismo, e defendeu ser necessário “olhar não apenas para Gaia mas para toda a região Norte”. “Mais do que a Porto 2001, interessa-me o Porto 2017 e 18, usar a experiência do passado de uma forma mais lata”, disse a astrónoma e professora da Universidade do Porto.

Pegando na mesma deixa, Artur Santos Silva lamentou a excessiva polarização do país no eixo do noroeste litoral centrado no Porto e na área metropolitana de Lisboa. E realçou a importância que as universidades têm na revitalização da importância do Norte no contexto do país. “O grande salto da Porto 2001 foi ter conseguido formar pessoas, gerar conhecimento”, notou o presidente da Fundação Gulbenkian. E o grande desafio actual e futuro é aproveitar o papel das universidades – que Santos Silva considerou terem sido as conquistas mais relevantes no pós-25 de Abril de 1974 – para “uma estratégia mais ampla de desenvolvimento de toda a região Norte, e não apenas na linha Gaia-Porto-Matosinhos”, disse o banqueiro.

Algo que precisa também de “capacidade de decisão, e de decisão política, e isso agora não existe, pois muita gente fugiu para Lisboa”, lembrou e lamentou, também da plateia, Nuno Cardoso, que era o presidente da Câmara do Porto aquando da Capital Europeia da Cultura.

sandrade@publico.pt

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