Por uns dias, a periferia teatral chega ao centro

Na sua quinta edição, o festival Periferias volta a reclamar atenção para dramaturgias lusófonas pouco vistas.

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El Deseo Macbeth, da companhia cubana D'dos

Pode soar redundante, mas o grande destaque da quinta edição do Periferias é ser a quinta edição. Assim o diz João de Mello Alvim, director do festival de artes performativas fundado em Sintra, em 2012, tempo de crise de tal forma pronunciada em Portugal que pareceria ideia pouco avisada apostar num evento dedicado ao teatro das periferias, com um foco particular nos grupos de expressão lusófona. Nesse primeiro ano, seriam seis espectáculos de uma proposta ainda tímida, a testar um modelo que necessitava do estabelecimento de uma série de parcerias com outras companhias e festivais para sobreviver. Chegada a quinta edição, a decorrer até 13 de Março, com o habitual centro nevrálgico na Casa de Teatro de Sintra, os espectáculos serão 16, acompanhados de uma feira do livro temática, conversas com escritores, concertos, um workshop de marionetas e uma exposição de trajes de danças tradicionais da Guiné-Bissau. “Ano de consolidação”, chama-lhe Mello Alvim.

Há uma noção de continuidade presente em cada edição do Periferias. Em 2016, o espectáculo de encerramento, a 13 de Março, ficará a cargo da companhia brasileira Teatro Por Que Não?, que fora já uma das presenças no ano inaugural e regressara em 2014. Esse acompanhamento resulta na observação próxima de um percurso artístico de um grupo de teatro universitário entretanto tornado semi-profissional, que agora faz de Say Hello para o Futuro interpelação directa de uma geração banhada em tecnologia, numa peça atravessada por posts, timelines e hashtags, baralhando artifício e realidade.

Também a companhia são-tomense Cacau regressa ao palco do Periferias com O Violinista, uma co-produção com a Companhia de Teatro de Sintra que concretiza outra das valências do festival. A par da normal programação do evento, o Periferias investe no estabelecimento de laços de formação com cenas teatrais menos expeditas. Assim, no dia 11, com encenação de Mello Alvim, o grupo Cacau apresentará uma peça desenvolvida entre Portugal e São Tomé.

As trocas entre os diversos grupos são de tal forma vistas como alicerce do festival que, aos poucos, tornou-se óbvio que a presença dos grupos não poderia obedecer a uma lógica de “toca-e-foge”, sendo providenciadas as condições para que cada companhia se demore uma semana por Sintra, partilhando refeições, espectáculos e experiências com os restantes participantes, daí começando já a surgir os primeiros frutos de colaborações. Aos poucos, assume o director artístico sem disfarçar a ambição do gesto, a ideia é a de construir “um arquivo das artes performativas que se fazem nos países lusófonos”.

No entanto, nem só de lusofonia se faz o Periferias. A presença dos cubanos D’dos, com o El Deseo Macbeth (dia 10), vinca essa abertura do festival – “não fechamos a porta a espectáculos latino-americanos, franceses, gregos ou sírios”, exemplifica Mello Alvim. No caso de El Deseo Macbeth, Shakespeare serviu de mote para que o autor Júlio César Ramirez tivesse enviado postais a todos os “Migueles” e “Ladys” que encontrou na lista telefónica, convocando-os para um encontro de onde resultou a escrita da peça, baseada nas experiências recolhidas. Trazendo novamente Shakespeare à baila, o Periferias arranca esta quarta-feira com Hamlet Talvez, uma abordagem pouco convencional ao clássico assinada por João Garcia Miguel.

Em cada um dos espectáculos, que incluem ainda as presenças do Grupo de Teatro do Oprimido, Os Netos de Bandim, Teatro de Marionetas do Porto, Baal 17, Clemente Tsamba e URZE, o objectivo continua a ser, nem que seja por uns dias, dar centralidade à periferia.

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