Polanski já não vem a Locarno e a polémica volta a instalar-se

O cineasta polaco declinou o convite do festival para evitar a controvérsia política levantada pela direita suíça ao longo dos últimos dias.

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Polanski

Roman Polanski, afinal, já não vem ao festival de Locarno, reabrindo uma polémica que passara para segundo plano há alguns dias. O controverso cineasta polaco, actualmente radicado em França com a esposa Emmanuelle Seigner e ainda ensombrado pela sua condenação pela justiça americana por abuso sexual de menores, optou por declinar o convite feito pelo presidente Marco Solari e pelo director artístico Carlo Chatrian.

Numa mensagem enviada ao festival e divulgada ao início da tarde de terça-feira, Polanski diz-se "profundamente entristecido por vos desiludir". 

"Lamento informar-vos que, tendo considerado a medida em que a minha presença anunciada no festival de Locarno provoca tensões e controvérsias entre aqueles que se opõem à minha visita, embora respeite as suas opiniões, é com um peso no coração que devo cancelar a minha visita," reza a mensagem que Polanski, em italiano, dirigiu aos responsáveis do certame.

As tensões e controvérsias referidas na mensagem resultam de uma série de declarações de políticos do cantão do Ticino (Suíça italiana) que consideravam inaceitável o convite do festival ao cineasta polaco. Na cerimónia de abertura, o presidente Marco Solari deixara bem claro o apoio das autoridades federais suíças ao festival, sublinhando inclusive o aumento da contribuição estatal para o orçamento do evento, bem como o princípio de liberdade artística absoluta e de não-interferência política nas decisões artísticas - no que foi aliás significativamente aplaudido pelo público. E assumira a responsabilidade do convite a Polanski, evocando as tradições democráticas e de acolhimento da Suíça bem como a evidência de, perante a lei suíça, o cineasta continuar a ser um homem livre. 

Recordemos que Polanski foi condenado em 1978, à sua revelia, por um tribunal de Los Angeles por ter mantido relações sexuais com uma jovem de 13 anos, num caso ainda hoje rodeado de controvérsias e imprecisões; e que, entre Setembro de 2009 e Julho de 2010, o cineasta esteve sob prisão domiciliária no seu chalet de Gstaad, na sequência de um pedido de extradição das autoridades judiciais americanas relativo àquele caso, e que acabaria por ser indeferido pelos tribunais suíços.  

Em resposta ao cancelamento de Polanski, o festival considera ter sofrido "um revés" resultante de uma "inaceitável interferência de algumas pessoas na liberdade artística" do certame. O crítico Carlo Chatrian, que assumiu em 2013 a direcção artística do festival, fala num depoimento em vídeo - divulgado ao princípio da tarde - de se tratar do "dia mais negro desde que me convidaram para dirigir o festival". 

 "Entristece-me que a ideia do festival como lugar de encontro e de discussões sofra hoje um tal golpe", continua Chatrian, lamentando que "o público do festival fique privado de um encontro com um artista extraordinário, que havia abraçado a nossa proposta de dar uma grande lição de cinema". Polanski viria apresentar, na noite de quinta (14), o seu mais recente filme, Vénus de Vison, no ecrã ao ar livre da Piazza Grande, e dar uma master-class na tarde de sexta (15).

 Reconhecendo que a liberdade de expressão é um valor inatacável, Chatrian fez questão no seu depoimento de apontar que "algumas posições ultrapassaram os limites e, através da violência verbal e da distorção da realidade, se tenham tornado em ataques inaceitáveis à dignidade da pessoa." 

O deputado Fiorenzo Dadò, do partido democrata-cristão PPD, escrevera na rede social Facebook que "a pedofilia não é igual para todos", em referência à condenação. Outros representantes oriundos de partidos de direita e extrema-direita (nomeadamente a Liga do Ticino e o Partido Popular Suíço) acusaram o festival de trazer Polanski como "manobra mediática" para evitar que se questionassem as escolhas criativas do certame.

Ao saber do cancelamento de Polanski, o governante socialista Manuele Bertoli, responsável pela cultura e pela educação do cantão do Ticino, declarou hoje que "o dia em que a política se intrometer no festival equivalerá à sua morte, e isso é algo que devemos evitar em absoluto". Em declarações à estação de televisão TeleTicino, Bertoli considerou que é uma má notícia para a região, porque dará ao mundo a ideia de que "o Ticino não está pronto para receber uma individualidade como esta", afastando os holofotes da importância cultural do festival de Locarno para se concentrar sobre um fait-divers.

 No seu depoimento, Chatrian avança esperar que "esta ocasião não seja uma vitória daqueles que desejam aproveitar-se do festival mas se torne numa plataforma para o relançar como espaço de liberdade e local de acolhimento."

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