Podemos jogar badminton sobre Nuno Costa Santos?

É, possivelmente, o maior cronista da geração de 1970. Em Vou Emigrar Para o Meu País reúne uma escolhe de crónicas que reflectem as suas obsessões: esta coisa de viver e tentar respirar e empatizar com um país que muitas vezes cheira a bafio.

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Umas horas antes de o sol surgir, numa varanda de um rés-do-chão da Bica, em Lisboa, um sujeito andava para cá e para lá, aparentemente possuído por pulgas e melgas: apontava os dedos para cima e para baixo, baloiçava os ombros, flectia as pernas. De súbito abanou o rabo e desceu e desceu até desaparecer debaixo da mesa. Na sala contígua, o realizador davainstruções – o que no caso se resume a rir à gargalhada.

Era a gravação do booktrailer de Vou Emigrar Para o Meu País, o mais recente livro de crónicas de Nuno Costa Santos e no Mac de Luís Gouveia Monteiro, jornalista e director da empreitada visual, estão imagens de Eduardo Paz Ferreira e do mestre da crónica Ferreira Fernandes, a apresentar o livro na FNAC nesse dia. E foi então que autor e realizador tomaram (mais) uma decisão extraordinariamente ponderada na carreira de Costa Santos: entrecortar as declarações de Ferreira Fernandes com imagens de Costa Santos a dançar kuduro.

“Epá, desculpa, não consigo levar-me a sério”, dizia a dada altura Costa Santos (NCS), dirigindo-se a Gouveia Monteiro. Não é bem assim: Santos leva a sério o que faz, mas é tomado por uma pulsão para desconstruir, fazer uma laracha, inserir um grão na máquina. Se fosse oleiro, não retirava as impurezas do barro: colocava-as de volta.

A labuta ao estatuto de arte

A impureza é o traço principal da obra de Costa Santos, talvez o mais versátil dos escritores portugueses: em mais de uma década e meia de ofício foi dramaturgo, fez humor para teatro, escreveu vídeos institucionais e musicais, criou e actuou em programas de TV como Zapping, Melancómico ou a crónica televisiva O Marginal Ameno, fez documentários, editou, na RTP2, Serviço Público e O Trabalho, foi coordenador do Rádio Clube Português, colaborou com jornais e revistas, deu aulas de escrita criativa e ainda escreveu uma série de livros em géneros tão díspares como a biografia cronicada (Trabalhos e Paixões de Fernando Assis Pacheco), a poesia (Às Vezes é um Insecto que Faz Disparar o Alarme) ou o inclassificável Melancómico – o Livro.

Esta é a versão sintetizada do currículo de Costa Santos – e ainda não chegámos à parte que interessa: a crónica. Quando não tem de ganhar a vida, é um cronista de excepção que eleva a labuta ao estatuto de arte. Foi-o na Capital, é-o agora de novo na revista Sábado, lugar que conquistou após no início do ano ter-se imposto um desafio: escrever uma crónica diária na net. A crónica é o seu lugar de eleição e faz dela literatura: é lá que o seu talento para a frase curta, moral mas não martelada, melhor se aplica ao seu universo pessoal: as pequenas histórias do dia-a-dia, as pessoas anónimas, os ditos escutados à socapa, as manias do povo e os sentimentos que procuramos esconder.

Durante muitos anos a crónica, aqui e no Brasil, era isso: a pequena história, bem burilada, por um observador atento. Agora está em vias de desaparecer, dando lugar às colunas de especialistas que sabem como salvar o país e até o fariam – mas não estão para isso. Pelo que Vou Emigrar Para o Meu País – escolha de crónicas escritas ao longo de anos e anos – é uma oportunidade única para celebrar um génio de um género literário caído em desuso e tomado como menor.

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A impureza é o traço principal da obra do mais versátil dos escritores portugueses: em mais de uma década e meia de ofício foi dramaturgo, fez humor para teatro, escreveu vídeos institucionais e musicais, criou e actuou em programas de TV

Vou fazer de conta que é tudo muito espontâneo e nunca falámos sobre isto: és dos poucos escritores que não ficam ofendidos com o termo frasista.

Não, de todo. É uma das dimensões da minha escrita, procuro a frase curta, a economia. Também sou assim a ler: sublinho frases, aponto os bordões dos meus cronistas preferidos. Foi uma epifania quando li o Millôr [Fernandes, cronista brasileiro], o frasista por excelência. Gosto de entrar numa crónica com uma frase forte, que mereça ser sublinhada. Claro que se escrever algo mais longo não procuro isso – há livros que não precisam de esta apetência, ou de esta paixão, porque eu tenho esta paixão.

Pergunto-me se o teu jeito coloquial de fazer crónica não advirá do teu prazer na conversa.

Estás a tocar num ponto fundamental: a crónica é uma conversa e quem conversa fala e ouve. Eu gosto de ditar as minhas sentenças mas também gosto de ouvir os outros. Muitas vezes as minhas crónicas são resumos de conversas que tive com os amigos, com a Rosa [a esposa], com o senhor do café, e há alguma coisa que se ilumina. E depois abro o computador e estruturo tópicos que fui elaborando no bloco de notas. Então a crónica torna-se uma conversa sobre a conversa. Não é um discurso, não é um sentença, é um bate-papo. Não sou a estrela que traz a manchete, estou no canto bolorento do jornal, o marginal ameno sem púlpito. A crónica é para ser lida enquanto se toma o café da manhã, embora hoje muita gente leia crónicas em formato digital enquanto vai de Arroios para os Anjos no metro. Não é menor, é sublime, é uma respiração diária.

Isto podia ser uma entrevista formal em que eu e o Nuno faríamos de conta não nos conhecermos, mas preferimos uma conversa às claras porque os portugueses precisam de um pouco menos de bafio e um pouco mais de à vontade. Há anos o Nuno estava a fazer um trabalho sobre o Miguel Esteves Cardoso e resolveu entrevistar-me, partindo do pressuposto que eu era um dos herdeiros do Miguel – por azar, nunca lera uma crónica do MEC. Mas não houve problema, porque eu e o Nuno já éramos amigos: éramos amigos só de ler um ao outro. Por vezes as pessoas são amigas antes de se conhecerem, só porque ao olhar para o que o outro faz pensamos “Olha que gajo porreiro que deve estar ali”.

E como o leitor, em Portugal, passa a vida a ser enganado, visto que quase toda a gente escreve sobre quem quer que seja já depois de ter ido tomar café (ou para a cama) com quase toda a gente sobre a qual escreve, se calhar é mais honesto não sermos portugueses, sermos um pouco mais brasileiros, e admitir que somos amigos.

Ora, a amizade não tolda o cérebro: os amigos também discutem, zangam-se e não gostam de igual modo de tudo o que o outro faz. Se resolvi destacar o magnífico Vou Emigrar Para o Meu País é por isso mesmo: porque é magnífico. E esta opção de entrevista é uma opção moral.


Para quem ainda não sabe se deve gastar dinheiro no teu livro: pode chamar-se ao que fazes crónica de observação, ou subvertes o género?

Naquilo que escrevo há várias tonalidades. Há um lado de cronista de costumes, de observação, mas também falo sobre o amor ou a desilusão. Acabo por subverter o género, ou fujo dele, porque o que critico é o que critico em mim próprio. Sinto a liberdade de escrever sobre manias de portugueses e depois sobre os amigos do meu pai. O MEC dizia que o escritor escreve sobre tudo. O bilhete à empregada tem de ser bem escrito. O que o Assis Pacheco escrevia em bilhetes aos amigos era delicioso como exercício da língua. Neste livro há crónicas sobre a nossa mania de, quando alguém faz alguma coisa, dizermos "eu teria feito ligeiramente diferente", ou o facto de, quando elogiamos alguém, termos de criticar umas 300 pessoas, ou a circunstância de haver "casais mistos" ser motivo de reportagem. Também faço odes a rádios de casa de banho, celebro a festa transcendente do futebol perante aqueles que dizem "é só um jogo", falo de encontros com funcionários da EMEL ternos e celebro costumes da minha terra, os Açores. Isto só para dar uma ideia a quem não sabe ao que vem.

Em Portugal está-se no púpito a ditar leis políticas e morais. Tu recusas isso. Ou por outra: as tuas crónicas, mesmo quando são morais, não soam a julgamento.

É que eu também sou o tipo que se irrita numa reunião no condomínio, que acelera no trânsito para não deixar passar o outro. É uma ética: o moralista ou está num púlpito ou num confessionário ou num palanque e eu não quero isso – prefiro olhar horizontalmente para as pessoas. Por isso é que a mesa é boa para a conversa: porque é horizontal. Em Portugal há muitos colunistas, ou gente que não se assume partidária, mas é. Isto é coisa de pequena aldeia. Os cronistas que admiro estão sujeitos ao humor do dia: podem estar irritados, enternecidos, podem ser ingénuos, também podem ser injustos ou provocadores. Essa ideia de variação de humores é importante nas crónicas. O Ferreira Fernandes tinha uma coluna que era 'Os Humores de Ferreira Fernandes'. Não há muito disto em Portugal, há mais no Brasil e é também por isso que digo que 'Vou Emigrar Para o Meu País': porque o que faço deixa-me de fora. Uma boa crónica pode ser como uma boa canção dos Beatles: fala sobre temas que interessam, tem bordões, toca uma ferida humana, mas de forma leve – não ligeira, leve. Isto separa-a da coluna de opinião – só este termo enfático diz que crónica e coluna são duas coisas distintas.

Vamos até ao Brasil, que é um dos berços da crónica ao jeito de NCS? Bora: António Prata é colunista da Folha de São Paulo e um dos heróis (ou irmãos) de NCS. Para Prata, autor do magnífico Meio Intelectual, Meio de Esquerda, “uma das razões da crónica se ter desenvolvido no Brasil é a crónica incapacidade do escritor viver da literatura. Ele é empurrado para outras funções. A única maneira de ganhar dinheiro com a escrita é a crónica. E como todo o mundo gosta de uma história, o cronista que conte história pode ter sucesso. Mas não tenha ilusões: no Brasil a crónica também tem perdido espaço para a coluna do especialista”.

Uma das marcas da tua crónica é a contradição: podes defender um ponto de vista num dia e dois dias depois defender o oposto. E demonstras sempre empatia pelos que se contradizem.

A maior parte das pessoas em Portugal tem dificuldade em assumir a dúvida. Não é possível convocarmos uma conferência de imprensa a dizer 'Meus senhores, boas tardes: tenho dúvidas sobre o seguinte assunto'. E o cronista tem dúvidas sobre o assunto. Noutro dia escreveu uma crónica de futebol em que estava a defender uma equipa e a meio começou a defender outra. Isso é a crónica: a meio muda-se de opinião porque na vida mudamos de opinião, às vezes no intervalo de uma frase. O Nélson Rodrigues começava a contar uma história e a meio dizia: “Mas não era nada disto que eu queria escrever” e mudava de assunto. As convenções contemporâneas da comunicação – de que temos de ser assertivos – podem ser destruídas na crónica. A maior parte das pessoas tem dúvidas – e depois faz cartazes assertivos, que não são mais que uma fuga em frente. A sensualidade brasileira permite essa contradição; e os ingleses permitem a auto-ironia, que é uma sabotagem ao que se disse enfaticamente. E isso não existe muito cá.

A crónica pura, em que se escreve sobre tudo, sem agenda, sem se fazer de conta que se é um especialista e que os seus julgamentos são essenciais à salvação da nação, morreu?

Há o Ferreira Fernandes e o MEC. Normalmente não se elogia os pares, mas há uma dimensão do [Henrique] Raposo que é isso, e uma do Pereira Coutinho que é isso, na Folha de São Paulo. São exercícios de estilo num registo coloquial de conversa e que tentam dar uma nova perspectiva sobre um assunto. Se tocares no assunto do dia, quer agrades ou irrites as pessoas, vais ter muitos pageviews; se escreveres sobre uma conversa de café, não. Este lado à Alexandre O'Neill, de te servires de um petisco para falar do que é ser português, não se coaduna muito com este tempo.

Alexandre O'Neill é uma das influências portuguesas de Nuno Costa Santos. Entre estas destaca as crónicas que José Cardoso Pires escreveu “sobre a Almirante Reis da sua juventude - com os rufias e os jogadores de snooker”, Manuel António Pina, Onésimo Teotónio de Almeida, MEC e o tom de Assis Pacheco. Tudo gente que “escreve como quem fala, com a desordem e a pele inflamada de uma comezaina entre amigos, sem gravata, de camisa aberta”.

Cá há humor. Mas não sobre si mesmo.

O humor português é sobre o outro, é satírico, o que vem do Gil Vicente, e foi consagrado na revista. Aqui quem assume a dúvida é visto como fraco – e quanto a mim a assunção da dúvida é uma manifestação de força. Num aeroporto um tipo perguntou-me de onde era, eu respondi e devolvi a pergunta. E ele respondeu: “Sou irlandês. Alguém tinha de o ser”. Na Irlanda há t-shirts a gozar com a pátria, frases do Joyce como “O melhor de ser irlandês é emigrar”. Em cada português ainda há uma professora primária que dá reguadas. Ao criticarem, em vez de empatizarem, sobem a um patamar imaginário. Vou ser arrogante: não acho isso civilizado, acho mesquinho. É a ideia de estar sempre a corrigir o outro. Está ainda demasiado disseminado. Nós não perdoamos nada ao outro nem assumimos “Eu também errei”.
 
Mas porque raio é assim? Ou pelo menos: porque raio há-de ser assim na crónica? Ferreira Fernandes nunca foi “grande leitor dos cronistas portugueses”. Do que ele sempre gostou foi “da crónica brasileira, do assunto trivial, do andar na rua e falar com as pessoas”. E isto aprende-se “a ler cronistas brasileiros, não com os portugueses”.

Ferreira Fernandes achou “sempre os cronistas portugueses engravatados”. "Eu sou luandense", explica. Lá chegava “a revista Cruzeiro e a Manchete. Lia o David Nacer, que até era um indivíduo instrumentalizado pelo poder, mas escrevia bem, até sobre ovnis a chegar ao Brasil. Era uma linguagem solta, que é o falso não se levar a sério. O máximo que se pode alcançar na crónica é parecer que não se leva a sério, sendo-se sério”.

Fernandes resume o actual estado da crónica assim: “Houve um período em que por causa da Casa Pia eram todos especialistas em Código Penal; agora somos especialistas em Economia; e dentro em breve vamos ser especialistas em querelas de partidos políticos”. Isto é o resultado de Portugal ser um “país pequeno, pobre e muito estruturado entre os de cima e os de baixo. Aceito essa hierarquia com o médico – e mesmo assim quero que me diga o que tenho de fazer e não que se ponha com uma verborreia palavrosa e técnica que eu não entendo”. A profissão do cronista, diz Ferreira Fernandes, “é traduzir o mundo. E é isso que não se faz”. O actual cronista “quer mostrar aos especialistas que sabe alguma coisinha do assunrto. Vai daí isso reflecte-se nas crónicas: não falamos claro, nunca falámos claro”.

Tu tens longa obra no humor, mas – e ao contrário da maior parte dos cronistas conservadores – não é um provocador naquele sentido americano do termo, em que o Louis CK, para te comover com a paternidade, antes fala de violação. Não és um enfant terrible, não levas usas os teus amores e desamores ao extremo.

Não, há um lado melancólico que me marca muito: nunca me fico pelo vermelho sangue, misturo cores. Gosto menos do Louis CK do stand-up que o do Louie [a série de CK em que este faz de si mesmo, como NCS fez de si mesmo em vários programas de TV]: ali ele ganha sombra. Não é o meu registo: eu não entro a pés juntos. Quando escrevi a crónica sobre o Cavaco [NCS mostrou-se contra quem se riu do desmaio de Cavaco], acordei, vi o desmaio e vi toda a gente a zombar e aquilo tocou-me numa corda sensível. A ideia de zombaria, de estar ao balcão a destilar veneno não tem graça nem tem transcendência. Agora um gajo estar em casa e fazer uma boa piada sobre o Cavaco – isso respeito e aplaudo, como aplaudi piadas com o 9/11. O que recuso é o cinismo, por isso isso não tenho medo de ser ingénuo. Sou e deixem-me ser.

Tu falas muito sobre o Brasil, mas por vezes sinto que isso tem a ver com não sentires que a tua escrita tenha espaço neste país.

 Eu não me reconheço no Portugal em que vivo. Por isso quero emigrar para um país que já existiu e que possa voltar a existir. Nessa crítica a um país onde estou mas não me sinto inteiro, está a relação dos cidadãos com o governo, que não vem só deste governo, mas detrás, com aquele lado megalómano das obras. Se bem que estes tipos de um momento para o outro fecharam a torneira de forma tão selvático que foi uma violência sobre as pessoas. Os quiosques ao lado de minha casa fecharam porque as pessoas não têm dinheiro para comprar jornais. Eu amo aquele outro país onde o estado protege o cidadão mais vulnerável, não esta selvajaria da conquista económica a qualquer preço. Noutro dia encontrei uma pessoa que foi tradutora na Expo e agora pede dinheiro na rua. Este não é o meu país.

Estás um gajo de esquerda. Mas claro que não estás.

Já tive um lado mais direita radical, sobretudo na Capital, agora sinto-me mais reconciliado com o humanismo. Talvez tenha um lado de esquerda, ou cristão, ou budista. Mas acima de tudo de empatia com os outros. Afasto-me de esquerda porque a esquerda desconfia do voluntariado e sou um grande adepto do voluntariado. A esquerda está no seu direito de exigir que o estado garanta a protecção de todos os cidadãos, mas a democracia cristã é centro-direita e tem essa preocupação. Este meu lado comunistarista, do bairro, é uma obsessão, é quase política, uma utopia. Primeiro a tua rua, depois o resto.

Deixa-me acabar dando-te tau-tau: não é nada verdade que nunca te leves a sério. Nunca temos uma conversa em que não tenhas um bloco ao lado. Se te ocorre uma piada, um sketch, experimentas logo. Um tipo vai jantar a tua casa e tu dizes “Deixa-me só acabar este texto” e entretanto a comida fica fria. Tu levas-te a sério. E fazes muito bem.

Há um lado de pose quando digo que não sou sério. Eu levo muito a sério o que faço, as minhas amizades, os meus filhos, a Rosa. Mas o não levar a sério tem a ver com sabotar o que faço. Se calhar levo-me tão a sério que em público tiro-me o tapete. O humorista, que é o gajo que goza consigo próprio, depois não admite que outros façam piadas com ele. Eu, que detestaria ser só humorista, admito, mas tens razão: levo isto de viver muito a sério. Tenho de pensar mais nisto; havemos de jogar badminton sobre este assunto.

Como se costuma dizer: e pronto, foi a entrevista possível. Resta dizer que em Vou Emigrar Para o Meu País encontramos uma escrita rara: burilado ao mínimo detalhe, que parte de minúsculas observações do quotidiano para assinalar como nos comprometemos cada vez menos e estarmos sempre a dizer "Isto esta semana tem andado muito complicado", que brinca – sem sorrisos – com o facto de haver empresas que hoje despedem sem terem uma palavra para quem é despedido. Em Vou Emigrar NCS festeja a arte de receber em casa, chora com Ronaldo e imagina Herman a ir para o panteão desatar aos tiros como fez no último Roda da Sorte. Pelo meio, tem um bate-papo com o mestre Rubem Braga, ele que celebrava nas suas crónicas as pequenas coisas da vida como o amor, a amizade, a respiração.
A vida, o amor, amizade, a respiração num livro tremendo (como dizer isto sem soar maricas?) do maior mestre da crónica da minha geração, um tipo que vai ter de esperar uns suaves vinte anos até que o reconheçam.

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